
O advogado Ewerton Almeida Ferreira protocolou, na última quarta-feira (9), denúncia no Ministério Público do Pará (MPPA) contra o prefeito de Ananindeua, Daniel Santos, por possíveis irregularidades no contrato de R$ 12 milhões com a Socorro Construções e Serviços Ltda, para o aluguel de 25 caminhões e 5 microtratores, para a coleta de lixo da cidade.
Segundo o advogado, há indícios de que a Socorro Construções é uma “empresa fantasma” e de que houve “direcionamento” para a sua contratação: ela nem mesmo teria comprovado qualificação técnica para o serviço e a própria dispensa de licitação que a beneficiou seria ilegal. As supostas irregularidades, afirma, podem configurar improbidade administrativa e crimes contra as licitações, com penas que, somadas, podem chegar a 19 anos de prisão.
Além do MPPA, o advogado acionou o Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA) e a Diretoria Estadual de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil, para que investiguem o caso. Também protocolou pedido, com base na Lei de Acesso à Informação, para que a Prefeitura lhe forneça, no prazo de 15 dias, toda a documentação desse contrato.

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Adesivados
Como você leu no DIÁRIO, a Socorro Construções nem sequer possui esses veículos, que ela teria alugado da Norte Ambiental Gestão e Serviços, cujo proprietário, o empresário Cleiton Teodoro da Fonseca, é amigo do prefeito Daniel Santos. O próprio dono da Socorro Construções, Francisco Israel da Silva, admitiu ao repórter Paulo Cidadão, da RBATV, que alugou esses caminhões e microtratores de uma empresa, para realugá-los à Prefeitura, mas negou que se trate da Norte Ambiental. No entanto, não quis dizer à qual empresa pertenceriam.
Mas o DIÁRIO obteve fotos de vários caminhões de lixo estacionados no terreno da Norte Ambiental, no município de Marituba, alguns já adesivados com a logomarca da Prefeitura. Vários deles também foram flagrados efetuando a coleta de lixo, em Ananindeua. Todos estão registrados em nome de uma filial da Norte Ambiental, na cidade de Sorocaba, no Estado de São Paulo, segundo o Detran, o departamento estadual de Trânsito.
Um deles, de placa TJB5B78, até circulava em Ananindeua, nesta semana, com uma folha de papel ofício colada na porta do motorista, na qual se lia: “A serviço da empresa Socorro Ltda”. A Norte Ambiental não possui contrato com a Prefeitura para a coleta de lixo. A nova licitação de R$ 180 milhões para o serviço, com indícios de irregularidades para beneficiá-la, acabou revogada.
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Casa térrea
A Socorro Construções funciona em uma casa térrea, de 108 metros quadrados, na Vila Soares, passagem Santo Antônio, no bairro do Coqueiro, em Ananindeua. Lá também é a residência do empresário Francisco Israel da Silva. Não há placa indicativa de que ali funcione um estabelecimento empresarial.
Na Junta Comercial do Pará (Jucepa) não há registro de que ela possua uma filial ou qualquer instalação para esses veículos. Os balanços contábeis (documentos que registram os bens e movimentações financeiras de uma empresa) indicam que ela não possui nem esses caminhões, nem as cerca de 60 máquinas pesadas que também aluga à Prefeitura, para a manutenção de ruas, e nem sequer um carro comum. Mas, ao final de um ano, o contrato com a Prefeitura lhe trará um ganho de aluguel de R$ 443.280,00 por caminhão, praticamente o preço de um novo.
Denúncia
- Na denúncia ao MPPA, o advogado Ewerton Almeida relata que a Prefeitura de Ananindeua contratou a Socorro Construções através de uma Dispensa Eletrônica de Licitação emergencial, para evitar uma suposta interrupção da coleta do lixo. Mas seriam vários os indícios de irregularidades. Um deles é a falta de documentos comprovando que empresa possui “experiência anterior, estrutura operacional, equipe qualificada ou aptidão para a execução desse tipo de serviço”. Segundo ele, no Certificado de Registro Cadastral (CRC), a principal atividade da empresa é o aluguel de máquinas e equipamentos para construção civil, sem operador. O que é bem diferente do aluguel de caminhões, com motoristas, para a coleta do lixo, “que exigiria, no mínimo, corpo técnico habilitado, operadores próprios, plano de execução e frota compatível”.
- O mesmo acontece com os registros da empresa na Jucepa e demais órgãos públicos. E, segundo Ewerton Almeida, a falta de comprovação da qualificação técnica da empresa, para esse contrato, representa “flagrante violação” de exigências da nova Lei das Licitações, a 14.133/2021, e expõe os cofres públicos “a riscos elevados de inexecução contratual, má prestação do serviço e prejuízo à coletividade”. Outro problema são as características de “empresa fantasma” que a Socorro Construções possuiria. Ela funciona em uma residência comum “sem qualquer estrutura operacional visível, fachada comercial, identificação de frota ou movimentação compatível com a execução de serviços de grande porte, como coleta de resíduos sólidos, locação de máquinas pesadas e operação de limpeza urbana”. E a falta de sede com uma estrutura mínima “é um sinal clássico de empresas fantasmas, comumente utilizadas em esquemas de contratação fraudulenta”, diz ele.

Advogado afirma que não há amparo legal para dispensa licitatória da Prefeitura
Para o advogado Ewerton Almeida, a decisão da Prefeitura de contratar essa empresa, apesar de tudo isso, também representa “fortes indícios de direcionamento”, ou seja, a intenção de beneficiá-la. Outro indício de direcionamento seria a própria “emergência” que a Prefeitura alegou, para a dispensa licitatória em favor da empresa. Ele recorda que tudo começou quando a Prefeitura tentou realizar, neste ano, uma nova licitação para a coleta do lixo, no valor de cerca de R$ 180 milhões. Ou seja, R$ 100 milhões a mais do que os contratos da Recicle e Terraplena, que hoje realizam o serviço.
A licitação acabou revogada três vezes, devido a irregularidades. Na primeira, a revogação ocorreu por iniciativa da própria Prefeitura, sob a alegação de que as impugnações (contestações) das empresas participantes levariam a alterações substanciais no Edital.
Já na segunda vez, a Prefeitura optou pela revogação depois que o TCMPA recomendou que fosse suspensa, devido a possíveis irregularidades. Na terceira, como os problemas continuassem, o conselheiro Antônio José Guimarães, “relator” do processo (ou seja, o encarregado do caso) expediu uma “cautelar” (uma medida urgente), devido ao risco de graves prejuízos aos cofres públicos. A ordem foi para que a Prefeitura suspendesse a licitação e só divulgasse um novo Edital depois que o documento passasse pela análise do TCMPA.
A decisão de Guimarães foi homologada (confirmada), por unanimidade, pelos conselheiros do tribunal, e a Prefeitura optou pela revogação. Mas, logo a seguir, alegando uma “emergência”, realizou a dispensa licitatória, com base no artigo 75, inciso 8, da nova Lei das Licitações, para alugar esses caminhões.
SEM AMPARO
O problema, afirma o advogado, é que não há amparo legal para essa dispensa licitatória, porque “não se está diante de uma emergência imprevisível ou inevitável”, mas sim de uma situação criada pela própria Prefeitura, devido as sucessivas revogações da licitação de R$ 180 milhões para a coleta do lixo, por indícios de irregularidades. As falhas de um processo licitatório, argumenta, não se enquadram na emergência prevista pela nova Lei das Licitações. “A revogação por problemas no edital ou decisões do TCM é algo absolutamente previsível, caso ocorram vícios de legalidade, como ocorrido. Logo, não é um evento da natureza ou situação excepcional externa”, explica. Além disso, observa, não há qualquer documento que comprove a “emergência” e risco à saúde pública alegado pela Prefeitura: não há nem mesmo um decreto do prefeito.
Assim, essa dispensa licitatória caracterizaria “ato lesivo ao interesse público, com violação aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência”, além de representar dano aos cofres públicos.
Avião
Na última, quinta-feira, 4, Ewerton Almeida já havia protocolado denúncia contra o prefeito Daniel Santos e a Norte Ambiental, no MPPA, TCMPA e Decor, pelo fato de a empresa vir realizando a coleta do lixo, em Ananindeua, sem licitação ou contrato. Um fato que, segundo ele, também pode configurar improbidade administrativa e crimes contra a licitação. Na denúncia, ele cita as reportagens do DIÁRIO, que mostraram, inclusive, o uso de um avião da Norte Ambiental pelo prefeito Daniel Santos, para viagens a municípios paraenses, na campanha eleitoral do ano passado.
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