Uma decisão judicial de primeiro grau garante à Agropalma, indústria que gera mais de 4 mil empregos no Pará, posse legal sobre quatro áreas que somam mais de 4 mil hectares na Região do Baixo Tocantins, no Estado do Pará. Em 2014, as áreas foram reivindicadas judicialmente por José Maria Tabaranã da Costa e sua esposa, Aída Raimunda da Silva Maia.
O casal, no entanto, não conseguiu provar em juízo ser proprietário das terras. Por outro lado, no processo judicial, a agroindústria de dendê e derivados comprovou que possui toda a extensão de seus imóveis há mais de 10 anos e, em alguns casos, mais de 30 anos, sem qualquer contestação.
Atualmente a empresa possui 106 mil hectares de terras e a maioria está livre de qualquer problema fundiário. Apesar disso, os Tabaranã questionam a documentação da Agropalma justamente por não saberem precisar a localização de suas áreas, pois jamais apresentaram o georreferenciamento dos terrenos que dizem ser seus.
O advogado Pietro Alves Pimenta, do escritório Tappembeck & Pimenta, que representa a Agropalma, explica que não foi apresentada pelos Tabaranã prova efetiva de posse exercida anteriormente por eles ou por seus alegados antecessores, sobre as áreas da Agropalma. “Ainda que a referida posse tenha existido - como alegam -, não há qualquer demonstração irrefutável deste fato. Tampouco foi apresentado qualquer documento que indique esbulho praticado pela Agropalma para a tomada da posse em qualquer momento da história, como um boletim de ocorrência policial, por exemplo. Ou seja, quando da aquisição das áreas pela Agropalma, os reclamantes não estavam na sua posse, ou as abandonaram espontaneamente”, argumenta Pietro.
Documentação apresentada no processo teve falhas questionadas na Justiça
Para entender a vitória jurídica da Agropalma sobre os Tabaranã, é preciso conhecer os processos que eles apresentaram para tentar legitimar a posse das terras.
No processo 6856/1979, há um pedido de posse provisória para Rodolpho Diogo do Pinho Lobo, que pede a legitimação de 4.356 hectares. Este processo trata de tentativa de regularização, por parte do espólio de Antônio Gonçalves da Silva Maia, de Título Provisório concedido pelo Estado a Rodolpho Lobo.
Neste processo, pode-se perceber várias contradições e irregularidades. Há discussão sobre a legitimidade dos requerentes, posto que o processo foi feito por José Maria, na qualidade de inventariante do falecido Antônio. Ocorre que José Maria sequer era herdeiro de Antônio, o que levou ao questionamento da legitimidade de sua nomeação. “Inclusive, tal fato chegou a ser contestado pela herdeira Deolinda Maia, outra filha do falecido”, diz Pietro. Porém, à época, o Iterpa entendeu como legítima a sucessão para Aida, esposa de José Maria, ressalvando que o mencionado conflito possessório entre herdeiros seria avaliado quando da vistoria. Esta vistoria, indispensável para a conclusão do processo e aquisição efetiva da propriedade, nunca ocorreu.
Também há irregularidades no tamanho alegado de 4.356 hectares da área. Por se tratar de Título de Posse bastante antigo, não consta do documento especificação do tamanho da área, mas apenas uma vaga descrição de seu perímetro.
APENAS 6 BÚFALAS
Ciente dessa exigência, José Maria alegou no processo administrativo que era desenvolvida atividade pecuária na área, para permitir a regularização pelo teto máximo legal. Entretanto, na lista de bens do falecido Antônio, a maioria de seus pertences remetiam à atividade madeireira, constando apenas seis búfalas do seu inventário, o que descaracteriza atividade pecuária em qualquer área, inclusive na de que se trata.
Em março de 1976, José Maria Tabaranã protocolou processo que pedia o andamento de demarcação de uma área em continuidade ao processo de nº 08029/1973-SAGRI, para fins de obtenção de Título Definitivo de parte da Margem esquerda do rio Urucuré, entre os igarapés Quaty e Pacateua, área que teria 1.089 hectares. O técnico indicado pelos Tabaranã para realizar a demarcação apresentou relatório concluindo que a área demarcada continha 2.229,6800 hectares. Entretanto, o departamento técnico do Iterpa detectou diversas falhas na demarcação.
Ciente das irregularidades, o técnico retirou o processo para tentar solucionar as pendências. Entretanto, em outubro de 1979 foi relatado pelo chefe do departamento técnico do Iterpa que o profissional que realizara a demarcação não fez as devidas correções e que seu credenciamento para execução de trabalhos demarcatórios havia sido cancelado.
Já em 1984, José Maria peticionou nos autos requerendo certidão de tramitação, tomando consequentemente ciência das irregularidades na demarcação. Contudo, não tomou qualquer medida para sanar as pendências. Dessa forma, foi expedida nova notificação a José Maria, em maio de 1985, para o atendimento às exigências do órgão. Dez anos depois, em abril de 1995, foi sugerido pela Dra. Maria de Fátima Oliveira, do Iterpa, o arquivamento do processo.
O que aconteceu em agosto de 2000. “Neste processo, é de se ressaltar a desídia do interessado. O processo ficou paralisado desde 1985 sem que tenha havido qualquer providência por parte dos interessados, responsáveis por sanar as irregularidades e atender às exigências do órgão. Ao serem tituladas as áreas para a Agropalma, com publicação em vários meios de mídia, os Tabaranã não puderam fazer qualquer impugnação? Não estavam na posse da área? Porque não reclamaram por mais de 10 anos?”, questiona Pietro Alves Pimenta.
FRAGILIDADES
Sobre a posse das áreas: advogados afirmam no processo que há vários indícios de que os Tabaranã nunca tiveram posse da área. Seus antecessores não estão na posse há, pelo menos, 40 anos, período superior à própria existência da Agropalma. Os advogados questionam: por que os Tabaranã nunca acionaram os antecessores, de quem a Agropalma comprou a posse?
Herança contestada: os direitos alegados pelo casal decorrem da herança de Antônio Gonçalves Maia, pai de Aída. Segundo alega, José Maria Tabaranã foi inventariante de Antônio, mesmo sendo apenas seu genro. Outros filhos do falecido questionaram tal condição junto às autoridades públicas.
Sinais de vício na documentação: toda a documentação utilizada pelo casal parece ser inservível. Nenhuma é de efetiva propriedade, mas sim documentos que necessitavam ser convertidos em Títulos Definitivos para caracterizar propriedade. Nenhum foi, e o prazo estabelecido já expirou.
Ação judicial “Reivindicatória de Posse”: O casal Tabaranã ajuizou contra a empresa ação possessória requerendo tomada da posse da área. O pedido foi julgado improcedente em primeiro grau, favoravelmente à Agropalma, e está em julgamento de recurso, ao qual não foi concedido qualquer efeito suspensivo e/ou liminar monocrática. Ficou provado que o casal não tem a posse, e muito menos a propriedade. Aliás, se tivesse a propriedade, o tempo de ocupação da Agropalma e seus antecessores seriam suficiente para caracterizar o usucapião das áreas.
Terras teriam sido adquiridas em nome de herdeira com apenas 1 ano de idade
Pietro Pimenta conta que o processo 068/1945 é bem curioso. Nele o pai de Aida Maia, esposa de Tabaranã, apresentou requerimento de compra feito ao Departamento de Obras, Terras e Viação de uma área de 400 hectares na margem esquerda (posteriormente retificada para margem direita) do Igarapé Tucumandeua.
Neste processo, de início chama atenção o fato de Aída ter sido assistida (em 1945) por seu pai. Note-se que, conforme sua identidade, juntada ao processo, ela nasceu em 1944, ou seja, tinha apenas 1 ano quando do requerimento. “Pergunta-se: um bebê de 1 ano poderia ser possuidor, produtor de lote rural e requerente de sua propriedade? Poderia ser dessa forma representada por seu pai para aquisição de direitos e assunção de obrigações?”, questiona o advogado da Agropalma.
Segundo a defesa da indústria, já se tem aí a primeira irregularidade: a representação pelo pai em requerimento de compra de área rural, no qual existem requisitos processuais relativos à posse, em nome da filha de 1 ano de idade, sem qualquer evidência da indispensável autorização judicial, nos termos da lei cível vigente à época.
Em julho de 1945 foi publicado edital de requerimento de compra de área na margem esquerda. Em abril de 1946, foi deferida a venda e publicada em Diário Oficial, expedindo-se, em 13 de outubro de 1949, o Título Provisório. Entretanto, em pesquisa no órgão, não foi localizado qualquer pedido de demarcação desta área, motivo de caducidade de referido título provisório, já que o título não foi demarcado nem solicitada sua legitimação dentro do prazo estabelecido pela lei agrária aplicável. “Este documento não tem mais qualquer validade jurídica, nem se presta à comprovação de qualquer direito de propriedade”, explica André Bitar.
Isso acontece com muitos dos documentos apresentados pelos Tabaranã. Em outros casos, nem esses documentos precários foram expedidos, como nos processos 2032/75 e 734/75, alegados pelos reclamantes, mas sem emissão sequer dos Títulos Provisórios, que ainda necessitariam de devida regularização.
Decreto de 1996 pôs fim em registros sem legitimidade no Iterpa
Na maioria dos casos expostos, a demarcação dos títulos não foi concluída, além de que o Decreto Estadual nº 1.054, de 14 de fevereiro de 1996, “declara a caducidade dos registros de posse efetuados perante as repartições de terras do Estado, cujas áreas não foram legitimadas, e estabelece normas especiais para regularizá-las”.
Este decreto fulminou com declaração de caducidade “os títulos de terras cuja legitimação não tenha sido requerida junto ao Instituto de Terras do Pará - Iterpa até 31 de dezembro de 1995”.
O Decreto teve por objetivo principal evitar que pessoas usassem documentos e processos - como os apresentados pelos Tabaranã - para alegar supostos direitos de propriedade sem ter efetivamente concluído procedimentos de aquisição nas esferas competentes. Desta forma, mesmo que toda a documentação apresentada pelos Tabaranã como prova de propriedade de terras estivesse livre de irregularidades, ainda assim teria caducado há mais de 20 anos.
Para Pietro Alves Pimenta, a posse e exploração legal e regular das áreas da Agropalma, exercidas há mais de 10 anos, pacificamente e de boa-fé, superam todos os documentos apresentados pelos Tabaranã, que são absolutamente imprestáveis para evidenciar qualquer direito de propriedade ou até mesmo de posse sobre qualquer área atualmente ocupada pela Agropalma. “Tanto pelos vícios específicos nos processos relativos à alegada aquisição de direitos perante o Iterpa, quanto pela declaração de caducidade imposta pelo Decreto Estadual, que afetou exatamente processos como os alegados. Aliás, esse foi o entendimento aplicado pelo Conselho Diretor do Iterpa, a última instância da autarquia, que em junho de 2018 negou provimento ao recurso dos herdeiros de Antônio Gonçalves da Silva Maia, indeferindo definitivamente o Processo nº 1979/6856”, argumenta Pietro Alves Pimenta.
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