Ao passar por audiência de custódia neste domingo (23) na superintendência da Polícia Federal em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que tentou abrir a tornozeleira eletrônica na sexta-feira (21) porque teve uma "certa paranoia" devido ao uso de medicamentos e que só "caiu na razão" à meia-noite.
Após a audiência, que durou cerca de 30 minutos, a juíza auxiliar Luciana Sorrentino, que atua no gabinete do relator Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal), validou e manteve a prisão preventiva de Bolsonaro, cumprida pela PF no dia anterior após determinação do ministro.
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Mais tarde, os advogados de Bolsonaro protocolaram pedido para que Moraes revogue a prisão preventiva, afirmando não haver risco de fuga.
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A defesa disse que, a partir de informações do órgão do Distrito Federal responsável pelas tornozeleiras eletrônicas e, em especial, da equipe médica que acompanha o ex-presidente sobre remédios ingeridos por ele, "é inequívoco que inexistiu qualquer tentativa de fuga ou de se furtar à aplicação da lei penal".
A Primeira Turma do STF realiza nesta segunda-feira (24) sessão extra no plenário virtual —sistema em que os ministros votam sem a realização de debates— para referendar a decisão de Moraes. O colegiado é composto atualmente por quatro integrantes: além de Moraes, Flávio Dino (presidente), Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
A ata da audiência de custódia diz que Bolsonaro afirmou que a paranoia aconteceu porque "tem tomado medicamentos receitados por médicos diferentes e que interagiram de forma inadequada (pregabalina e sertralina)".
Segundo o ex-presidente, ele tem "sono picado", não dorme direito e resolveu mexer na tornozeleira com um ferro de soldar, "pois tem curso de operação desse tipo de equipamento".
Bolsonaro disse que, ao voltar à razão, parou o uso da solda e comunicou aos agentes de custódia. O equipamento de solda, disse, estava em sua casa.
"O depoente afirmou que estava acompanhado de sua filha, de seu irmão mais velho e um assessor na sua casa e nenhum deles viu a ação do depoente com a tornozeleira. Afirmou que começou a mexer com a tornozeleira tarde da noite e parou por volta de meia-noite", afirma a ata.
"Informou que as demais pessoas que estavam na casa dormiam e que ninguém percebeu qualquer movimentação. O depoente afirmou que estava com 'alucinação' de que tinha alguma escuta na tornozeleira, tentando então abrir a tampa. O depoente afirmou que não se lembra de surto dessa natureza em outra ocasião", continua o documento.
Na audiência, Bolsonaro disse que começou a tomar um dos remédios cerca de quatro dias antes da sua prisão.
O ex-presidente negou que tenha tentado fugir. Segundo Bolsonaro, não havia qualquer intenção de fuga e não houve o rompimento da cinta da tornozeleira.
Ele disse que, em outra ocasião, teve que romper a cinta para fazer uma tomografia. Afirmou, também, que a vigília convocada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seu filho, fica a 700 metros da sua casa e que não seria possível criar um tumulto que pudesse facilitar a fuga.
Bolsonaro disse também que a médica Marina Pasolini prescreveu sertralina, um medicamento antidepressivo, sem comunicar os outros dois médicos que o monitoram. Não fica claro pelo depoimento se é este o medicamento que ele começou a tomar quatro dias antes da prisão.
Desde o início do ano, o ex-presidente mudou sua equipe médica, e é acompanhado principalmente pelo cirurgião geral Cláudio Birolini e o cardiologista Leandro Echenique. São eles que assinam o relatório médico entregue pela defesa para Moraes na última sexta para solicitar manutenção de prisão domiciliar no caso da trama golpista —pedido anterior à prisão preventiva.
A equipe médica esteve com Bolsonaro na Superintendência da PF no DF pouco antes da audiência de custódia e, após examiná-lo, falou em um quadro de "confusão mental e alucinações" para descrever o episódio sobre a tornozeleira eletrônica e atribuiu isso à interação medicamentosa.
De acordo com Birolini e Echenique, o uso de um dos medicamentos (pregalabina) foi suspenso imediatamente e o ex-presidente está clinicamente bem.
Neste domingo, por volta das 15h, autorizada por Moraes, Michelle Bolsonaro também esteve na PF para visitar o marido. O encontro durou cerca de duas horas. Na chegada, a ex-primeira-dama acenou para apoiadores de Bolsonaro que estavam em frente à sede da corporação. Não falou com a imprensa.
Segundo médicos ouvidos pela Folha, a combinação de sertralina e pregabalina é segura e comumente usada em pacientes idosos, mas, em situações específicas, pode causar episódios de delirium, que na psiquiatra é entendido como alteração da atenção, da cognição e do nível de consciência.
A sertralina é um antidepressivo indicado para depressão, ansiedade, transtorno do pânico, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), fobia social e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Já a pregabalina é um medicamento da classe dos anticonvulsivantes, tem efeito ansiolítico e também é utilizada para a dor crônica.
O psiquiatra Rodrigo Fonseca Martins Leite diz que o uso da medicação combinada é segura e raramente pode causar um quadro de alucinação como o descrito pelo ex-presidente.
O psiquiatra Ricardo Castilho afirma que, antes de atribuir o delírio ou paranoia à interação medicamentosa, é preciso descartar, especialmente em um paciente idoso, a presença de uma causa clínica e, em relação aos remédios, seria preciso saber se houve superdosagem ou se o paciente parou de tomá-los ou aumentou a dose por conta própria.
Em outubro, Moraes autorizou, a pedido da defesa do ex-presidente, a inclusão da endocrinologista Marina Pasolini na lista de médicos autorizados a atender Bolsonaro em sua casa, onde cumpria prisão domiciliar, para ajudar no tratamento multidisciplinar diante da piora dos soluços.
Marina é gaúcha, e atua em Brasília desde 2019. No seu Linkedin, ela se apresenta como especialista em emagrecimento e obesidade.
No sábado da prisão preventiva de Bolsonaro, ela foi visitá-lo na Superintendência da PF. Moraes autorizou a ida de médicos e advogados ao local, sem necessidade de autorização prévia. Echenique e Birolini, que estiveram com o ex-presidente neste domingo, não conheciam a médica.
O ex-presidente estava em regime domiciliar desde 4 de agosto e foi levado pela PF após a decretação da prisão por Moraes, relator do processo no STF, sob justificativa de garantia da ordem pública.
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