
Documentos do Ministério da Saúde indicam que a Prefeitura de Ananindeua estaria desviando dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério afirma que repassou o dinheiro à Prefeitura. Só que ela não pagou o Centro de Hemodiálise Ari Gonçalves (CEHMO). Assim, ninguém sabe o que ela fez com esses recursos, que são “carimbados até no CNPJ”: só podem ser usados para pagar as empresas às quais se destinam. A dívida com o CEHMO, que vem desde 2023, estaria em mais de R$ 3 milhões. Por causa disso, ele encerrou as suas atividades em Ananindeua, no último dia 20. Foi o terceiro estabelecimento de Saúde a fechar as portas, naquela cidade, por falta de pagamento do dinheiro do SUS, pelo prefeito Daniel Santos.
“Não é conhecida a motivação do não repasse dos recursos à Unidade de Saúde (o CEHMO), visto que o Ministério da Saúde realizou todos os repasses, conforme produção (os serviços) apresentada e aprovada por essa Secretaria Municipal de Saúde no período reclamado, ou seja da competência setembro de 2023 à competência janeiro de 2025 (...)”, diz o ofício 62/2025/ DRAC/CGOF/DRAC /SAES/MS, enviado pelo Ministério da Saúde à SESAU, a secretaria municipal de Saúde de Ananindeua, em 18 de março deste ano. Ele está assinado pelo diretor do Departamento de Regulação Assistencial e Controle do Ministério, Carlos Amílcar Salgado, que deu um prazo de 30 dias para a SESAU esclarecer o atraso. Pelas normas do Ministério, as prefeituras têm 5 dias úteis para pagar os estabelecimentos de saúde, após receberem os recursos do SUS.
O “assunto” do ofício é “Desvio de verba Federal. Retenção indevida de repasse do Ministério da Saúde. Serviço essencial de saúde pública. Hemodiálise. Prejuízo no atendimento”. Ele foi motivado por uma denúncia do advogado do CEHMO, Gabriel Barreto. Na época, segundo ele, a dívida da Prefeitura com a empresa estava em mais de R$ 3,6 milhões, por serviços realizados de setembro de 2023 a fevereiro de 2025. A SESAU alegou que o atraso decorreria de uma “auditoria interna” dessa dívida. A conclusão foi de que a Prefeitura deve dinheiro, de fato, à empresa. Mas, diz Barreto, a SESAU nem sequer respondeu ao pedido do Ministério para que comprovasse, com documentos, que realmente realizou essa auditoria, e qual o destino do dinheiro que lhe foi repassado.
Segundo o advogado, há mais de 1 ano que a Prefeitura não paga as clínicas de hemodiálise da cidade, apesar de se tratar de um serviço essencial, ininterrupto e cujos recursos possuem prioridade na área da Saúde. Ele denunciou o fato aos ministérios públicos do Pará (MPPA) e Federal (MPF), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e, por diversas vezes, ao Ministério da Saúde, que, diz ele, estaria estudando a possibilidade de suspender os repasses de recursos do SUS à Prefeitura de Ananindeua, até a regularização dos pagamentos ao CEHMO. Na última sexta-feira, o DIÁRIO enviou e-mails ao Ministério para confirmar a informação, mas ainda não obteve resposta.
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SUMIÇO
Não é a primeira vez que surgem fortes indícios de desvio do dinheiro do SUS pela Prefeitura de Ananindeua. Em abril do ano passado, o DIÁRIO mostrou o sumiço de R$ 20 milhões do SUS, repassados pelo Ministério da Saúde à Prefeitura. Ela pediu o dinheiro ao Ministério para o pagamento de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e de RUE (Retaguarda de Urgência e Emergência) do Hospital Camilo Salgado, em 2021 e 2022. Só que o hospital não prestava serviços ao SUS desde 2021.
No portal da Transparência, o DIÁRIO não encontrou pagamentos da Prefeitura, no valor de R$ 20 milhões, ao Camilo Salgado, que foi até desapropriado, em outubro de 2021. Além disso, segundo a Sespa, a secretaria estadual de Saúde, também não havia relatórios da produção desses serviços, pelo hospital, nos anos de 2021 e 2022, nos sistemas de Informação Ambulatorial (SIA) e de Informação Hospitalar Descentralizado (SIHD), do Datasus, o departamento de Informática do SUS.
De acordo com o SIA e o SIHD, informou a Sespa, a Prefeitura recebeu cerca de R$ 10 milhões por ano, em 2021 e 2022, para o custeio de leitos de UTI e RUE do Camilo Salgado. Por incrível que pareça, recebeu recursos até mesmo em 2023, levantando a possibilidade de que o dinheiro “desaparecido” atingisse até R$ 29,5 milhões. Segundo o portal da Transparência, em 2021 a Prefeitura “empenhou” em favor do hospital (ou seja, comprometeu-se a pagar a ele) R$ 1,175 milhão, por serviços ambulatoriais e hospitalares, com dinheiro do SUS.
Só que a maioria esmagadora desses “empenhos” foi anulada, em dezembro de 2021. Assim, o Camilo Salgado acabou recebendo, naquele ano, apenas R$ 177.787,35. Além disso, todos esses “empenhos” foram para pagar serviços realizados entre novembro de 2020 e abril de 2021. Já em 2022 e 2023, os únicos empenhos para o hospital foram para o pagamento de parcelas da indenização pela desapropriação, o que nada tem a ver com o SUS. Não há, em 2022 e 2023, qualquer menção a serviços ambulatoriais e hospitalares realizados pelo Camilo Salgado.
Hospital ligado ao prefeito já recebeu mais de R$ 100 milhões
Entre janeiro de 2021 e o último 8 de maio, a Prefeitura de Ananindeua pagou ao Hospital Santa Maria, que pertenceu ou pertence ao prefeito Daniel Santos, mais de R$ 103 milhões, com dinheiro do SUS. Os números são do portal da Transparência e foram atualizados pelo DIÁRIO com base no IPCA de abril. Enquanto isso, clínicas e hospitais da cidade fecham as portas, porque a Prefeitura recebe o dinheiro do SUS e não paga esses estabelecimentos.
Entre 2021 e 2024, a Prefeitura recebeu quase R$ 1 bilhão do SUS, mais da metade para o pagamento de serviços hospitalares e ambulatoriais, diz o InvestSUS, serviço online de consulta a todos os repasses do SUS aos estados e municípios. O dinheiro foi repassado mês a mês, sem interrupções. Mesmo assim, a Prefeitura paga os hospitais e clínicas com atrasos que se estendem, em geral, por 6 meses, mas podem chegar a anos, como no caso do CEHMO.

No ano passado, esses calotes quase levam à falência o Hospital de Clínicas de Ananindeua (HCA). Em janeiro deste ano, levaram ao fechamento do Hospital Anita Gerosa, a única maternidade que funcionava 24 Horas e atendia gravidez de alto risco, naquela cidade. Só ao HCA, Anita Gerosa e CEHMO, a Prefeitura devia, no final do ano passado, cerca de R$ 13 milhões, apesar de receber, em média, R$ 21 milhões mensais do SUS. E apesar de ter pagado ao Santa Maria mais de R$ 22 milhões (atualizados), só no ano passado.
Outro hospital a fechar as portas na administração do prefeito Daniel Santos foi o Camilo Salgado, no bairro do Coqueiro. Ele foi desapropriado em 2021, para a construção do Pronto Socorro Municipal. A indenização pela desapropriação, que era de R$ 14 milhões, deveria ser paga, em parcelas, ao longo de 2022. Mas os pagamentos atrasaram. E quando foram suspensos, em dezembro de 2023, a Prefeitura ainda devia R$ 4 milhões aos donos do hospital. Segundo eles, os atrasos de pagamento e o calote milionário impediram que reabrissem o Camilo Salgado em outro local.
intervenção
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Pará (MPPA) ajuizou pedido para que o Tribunal de Justiça do Estado (TJPA) determine que o Governo do Estado intervenha no sistema de Saúde de Ananindeua. É que o fechamento de clínicas e hospitais prejudica os moradores da cidade e sobrecarrega os sistemas de saúde de toda a Região Metropolitana. Só os hospitais de Belém e do Governo do Estado registraram um aumento de 88 por cento, no primeiro trimestre deste ano em relação ao primeiro trimestre de 2023, nos atendimentos a pacientes oriundos de Ananindeua.
Segundo o advogado Giussepp Mendes, o não pagamento ou o atraso injustificado de pagamento de estabelecimentos de saúde configura “desvio de finalidade”. E “em determinadas circunstâncias”, pode caracterizar apropriação indébita de verba pública, com implicações administrativas, cíveis e penais, para os responsáveis.
Com base na Lei da Transparência, ele já solicitou informações à Prefeitura de Ananindeua sobre os recursos do SUS que não foram pagos ao CEHMO. A seu ver, o ofício enviado pelo Ministério da Saúde à SESAU e outros documentos “confirmam expressamente” o repasse desse dinheiro à Prefeitura, com base na produção de serviços apresentada pela própria SESAU.
Segundo ele, a análise desses documentos “evidencia que os repasses do Ministério ocorreram em conformidade com os dados de produção informados pela Secretaria de Saúde, dentro dos critérios previstos nas normativas vigentes, observando os princípios da legalidade, da eficiência e da transparência na gestão dos recursos públicos”.
Ele enfatiza que os indicadores assistenciais apresentados pela SESAU foram compatíveis com as metas pactuadas, “o que justifica a liberação dos valores por parte do Governo Federal”. E destaca que, após o repasse do dinheiro pelo Ministério, “é de inteira responsabilidade da Prefeitura de Ananindeua, por meio de sua Secretaria de Saúde, a efetivação dos pagamentos aos prestadores de serviço contratados”.
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