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Vítima relata abusos de líder espiritual em Belém

O DIÁRIO DO PARÁ conversou com mulher que denunciou Paulo Paumgartten, da Missão do Espírito Santo, por frequentes violações sexuais e ameaças. Relatos são aterradores.

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Imagem ilustrativa da notícia Vítima relata abusos de líder espiritual em Belém camera DIÁRIO conversou com uma das vítimas que denunciaram o líder espiritual Paulo Paumgartten | Ricardo Amanajás / Diário do Pará

A investigação de uma série de denúncias de violação sexual mediante fraude contra o líder espiritual Paulo Paumgartten Sabino de Oliveira, de 68 anos, que atuava na seita "Missão do Espírito Santo", em Belém, cumpriu mais uma etapa importante, a realização da primeira audiência das vítimas e das testemunhas de defesa do acusado pela 2º Vara Criminal de Belém.

Desde que o líder espiritual foi preso preventivamente, em 18 de março de 2022, novas denúncias de crimes sexuais contra ele foram registradas. Diante de toda a situação de violência e constrangimento que as vítimas relatam ter passado, o que fica para elas é o desejo de justiça e de que mais mulheres não passem pelas mesmas situações. Os relatos das vítimas sobre como os episódios de violência psicológica e sexual aconteciam revelam uma estrutura muito bem-organizada dentro da casa onde funcionava a chamada ‘Missão do Espírito Santo’.

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Representando 12 vítimas que denunciam os casos de violência sexual, a advogada Larissa Miranda Pinheiro explica que, primordialmente, os integrantes da seita faziam reuniões para estudar o Evangelho, a partir de uma interpretação do próprio Paulo Paumgartten. “Era assim que ele captava as vítimas dele. Ele dizia que era um estudo mais aprofundado com novas interpretações, uma nova hermenêutica sobre o Evangelho”, aponta. “Uma interpretação específica dele, já com a finalidade dos assédios. Então, esse estudo bíblico era para fazer a violência psicológica, fazer com que as vítimas acreditassem que ele era alguém de confiança e, depois disso, ele começaria as investidas, que seriam os assédios sexuais”.

Ao chegar à Casa da Missão do Espírito Santo, as pessoas passavam, primeiro, por uma consulta com o líder espiritual, onde relatavam os problemas que estavam passando. Neste momento, Paulo Paumgartten mantinha uma conversa amigável e, em determinados momentos, se dizia em contato com algumas entidades que relatavam o que precisaria ser feito para que aquela pessoa melhorasse, segundo relata a advogada. “Ele dizia que tinha uma entidade com ele, que dizia o que a pessoa precisava para melhorar. Então, a entidade diria para ele quantos banhos espirituais aquela pessoa precisaria”.

Os banhos seriam os tratamentos espirituais necessários para que aquela pessoa melhorasse o que ele chamava de ‘frequência espiritual’. Inicialmente, os banhos eram realizados com sal grosso, depois passavam para loções de ervas e, segundo aponta a advogada a partir dos relatos das vítimas, era durante esses banhos que o líder religioso iniciava as investidas, tocando as partes íntimas das mulheres e, em alguns casos, chegando a fazer sexo com as vítimas, mediante manipulação psicológica. “Ele dizia que todo ponto era um chakra e que ele precisaria tocar o chakras básico, que ficaria na área íntima. Essa era a desculpa dele para tocar nas vítimas”, continua a advogada. “Na cabeça da vítima, ela estava fazendo uma limpeza espiritual com alguém de confiança. Então, aquelas assertivas eram estranhas, em determinado momento, mas logo em seguida a pessoa pensava ‘Não, mas é o pai, é o líder. A maldade está na minha cabeça’”.

De acordo com os relatos das vítimas, os chamados banhos espirituais eram aplicados apenas nas mulheres, de forma individual e isolada. Ainda que houvesse poucos homens que frequentavam a casa, Larissa conta que o líder espiritual buscava usá-los de outra forma, fazendo com que os homens trabalhassem na casa, seja como segurança ou como motorista. Para que os fatos ocorridos durante os chamados banhos espirituais não fossem conhecidos, Paulo Paumgartten proibia que os membros da casa conversassem com qualquer pessoa sobre o que ocorria, nem mesmo entre eles próprios.

LEI DO SILÊNCIO

“Ele aplicava o golpe que é muito típico na misoginia, que é a Lei do Silêncio. Além disso, ele se valia do isolamento social, fazendo com que os integrantes que entrassem na casa fossem abandonando tudo que eles tivessem no mundo exterior, seja trabalho, estudo, família, relacionamento”, aponta a advogada das vítimas. “Com isso, ele tinha um controle mental extenso sobre a vida dessas pessoas. Tiveram situações de empresárias que largaram os seus negócios, advogadas que largaram o seu emprego só para viver pela Missão do Espírito Santo. Algumas pessoas passaram a vender bombom e picolé na rua, tudo para sustentar a casa”.

A enorme confiança que tinha no chamado Pai Paulo fez com que uma das primeiras quatro vítimas a denunciar Paulo Paumgartten por muito tempo não percebesse que estava sendo vítima de assédio sexual. Sem se identificar, a vítima relatou ao DIÁRIO as situações de violência psicológica e sexual que vivenciou dentro da Casa da Missão do Espírito Santo por três anos.

MANIPULAÇÃO E VIOLAÇÃO SEXUAL ERAM FREQUENTES

O primeiro contato da vítima com Paulo Paumgartten se deu em outubro de 2017, quando ela passava por um momento de extrema fragilidade emocional. “Eu estava passando por uma separação e estava muito fragilizada. Eu compreendia que eu não estava bem, mas eu não conseguia resolver a minha situação. Aí eu encontrei essa pessoa que eu não conhecia, nós conversamos e eu achei ele uma pessoa muito tranquila e perguntei para ele o que ele fazia para estar daquele jeito”, lembra. “Ele me contou que frequentava uma casa onde não era religião, mas que as pessoas faziam leitura do Evangelho, conversavam, debatiam os temas bíblicos e que tinha uma pessoa em especial, que ele se referiu como um irmão mais velho, que estava ajudando ele nas questões espirituais e energéticas”.

Neste primeiro contato, o líder da Missão pediu à vítima que ela agendasse um atendimento e que participasse das reuniões de leitura do Evangelho que, na época, ocorriam às segundas e quartas-feiras. Foi no atendimento inicial que Paulo Paumgartten apontou a necessidade de a vítima fazer os tais banhos espirituais. “Eu contei para ele o que eu estava passando e ele sugeriu as limpezas magnéticas. Falou que a minha frequência energética estava muito baixa, que eu precisava elevar isso e que essa limpeza ajudaria. A partir do momento que eu estivesse com a minha frequência mais elevada, eu iria conseguir resolver as outras questões”, relata. “As limpezas iniciais eram com sal, nua, lá no quintal. Ele passava o sal na linha do chakras, mas não tocava e nem encostava, era afastado”.

A vítima começou a frequentar a casa, ir às reuniões, fazer as limpezas e mais do que isso. A mulher conta que chegou a morar na casa com o chamado Pai Paulo e as outras mulheres. “As pessoas da casa, tanto as que moravam, quanto as que frequentavam, chamavam ele de pai e para mim foi muito fácil chamar ele de pai porque foi essa figura que eu vi nele por conta da minha carência de pai, e ele sabia disso porque eu mesma contei”, conta.

Em 2019, quando a vítima passou a morar na casa com Paulo e as demais mulheres, tiveram início as “limpezas” mais intensas. A vítima conta que, segundo apontado pelo Pai Paulo, essa maior intensidade seria para trabalhar uma frequência em específico, que era a homossexualidade. “Durante um tempo ele realmente conseguiu me convencer de que a homossexualidade era um problema, de que eu me relacionar com mulheres era um problema. Então, ele começou a dizer para mim que ele precisava se misturar comigo magneticamente e essa mistura era ele fazer sexo comigo, para que a energia boa dele pudesse ficar em mim”, conta a vítima. “E aí, durante as limpezas, ele começou a tocar o meu corpo e cometer os abusos”.

Durante o período que frequentou a casa, a vítima conta que não manteve nenhum relacionamento. Alguns incômodos surgiram, porém, quando ela começou a observar algumas contradições. “Um homem que é dito simples, mas que não tinha nada de simplicidade. Um homem que se dizia humilde, mas eu também via atitudes de grosseria comigo e com outras pessoas, especialmente mulheres”, lembra. “Aquelas reuniões do Evangelho também foram ficando repetitivas, cansativas e contraditórias porque o que era pregado, não era praticado. Isso fez com que eu começasse a me afastar”.

Depois de um ano, a vítima deixou de morar na casa, mas não de frequentá-la quase que diariamente. Uma prática comum do líder espiritual quando alguém relatava querer deixar a Missão, inclusive, era ameaçar que algo de ruim poderia acontecer, como um familiar adoecer, por exemplo. Logo, quando uma pessoa saía da Missão, se acontecesse qualquer coisa na família, ela já pensava que tinha sido porque ela tinha saído da seita e retornava.

Durante o período em que a vítima ainda estava frequentando a missão, Paulo Paumgartten comprou um sítio onde os trabalhos espirituais e as reuniões também passaram a ser realizadas. Foi neste sítio que ocorreu o episódio que começaria a mudar definitivamente o rumo da história. “Até que houve o episódio em que um dos homens que frequentava a casa flagrou o Pai Paulo fazendo sexo com uma das próprias filhas dele. O homem ficou muito abalado com isso de ver o Pai fazendo sexo com a própria filha, pelo menos o que na nossa frente parecia é que elas eram filhas dele”.

O homem resolveu contar a situação para uma mulher que também frequentava a casa, que contou para a vítima que conversou com o DIÁRIO. “Quando essa minha amiga que também frequentava a casa me contou, fomos conversar com esse rapaz. Foi quando a gente se abriu com ele e contou o que acontecia. Então, entramos em contato com outras mulheres e fizemos um grupo onde compartilhamos o que acontecia com a gente. Até esse momento, para mim, tudo o que acontecia fazia parte do trabalho espiritual”. “Aí foi caindo a nossa ficha de que tudo aquilo que acontecia estava muito errado e de que a nossa fé estava sendo usada. Ele usou da nossa boa-fé, ele usou da minha ingenuidade. Não só ele, como elas que moram na casa também porque elas sempre souberam de tudo, sempre compactuaram com tudo”, afirma a vítima.

As vítimas começaram a se questionar se deveriam denunciar o líder espiritual. Apenas quatro conseguiram fazer a denúncia, inicialmente. As primeiras denúncias, além de outros tipos de provas materiais recolhidas pela Polícia Civil, motivaram a prisão preventiva de Paulo Paumgartten pelo crime de violação sexual mediante fraude. Após a prisão, outras vítimas começaram a procurar as primeiras denunciantes.

Hoje, a advogada Larissa Miranda Pinheiro já representa 12 vítimas. “A gente espera que ele seja condenado não só por nós, mas pelas próximas que poderiam ter. Para as mulheres que passaram por lá, que apareçam e denunciem porque é importante para nós e para que não tenham outras vítimas. Esse é o momento!”, alerta a vítima.

TATUAGEM

De acordo com a vítima ouvida pelo DIÁRIO, a manipulação psicológica exercida por Paulo Paumgartten era tamanha, que algumas mulheres chegaram a fazer uma tatuagem com o nome do líder espiritual, incluindo ela própria. Até hoje, a vítima tem o símbolo do infinito com o nome dele, Paulo Paumgartten, tatuado nas costas. “O significado dessa tatuagem seria para que, em um momento de descondensação, que seria o momento em que a gente perderia a matéria, fosse possível nós nos identificarmos. Nós estaríamos ligados todos a ele por essa tatuagem. E ele, por ser uma figura ilustre, ele se dizia na sétima frequência, na frequência de Jesus Cristo, ele conseguiria resgatar a gente de onde a gente estivesse”.

DEFESA

O DIÁRIO tentou contato com a defesa de Paulo Paumgartten para ouvir a sua versão sobre as denúncias, porém, não obteve retorno até o fechamento da edição. O acusado segue detido. O caso das denúncias de violação sexual contra Paulo Paumgartten tramita sob segredo de justiça, por se tratar de crimes sexuais.

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