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OPERAÇÃO TARRAFA

Irmão de Éder Mauro envolvido em fraude bilionária, diz PF

Amaurivaldo Cardoso Barra e mais quatro servidores federais foram afastados de suas funções por ordem da Justiça. Indícios apontam que fraude pode ter causado rombo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos

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Imagem ilustrativa da notícia Irmão de Éder Mauro envolvido em fraude bilionária, diz PF camera Página no Facebook, chamada “Amaury do Pescador”, traz um vídeo em que o deputado Éder Mauro aparece ao lado do irmão, garantindo aos pescadores que podem ficar tranquilos quanto ao recebimento do seguro-defeso | DIVULGAÇÃO

Há “fortes indícios” de que Amaurivaldo Cardoso Barra, irmão do deputado federal Éder Mauro, está envolvido na bilionária fraude de seguros-defeso, que levou à operação Tarrafa, da Polícia Federal, no último dia 17. As irregularidades envolveriam, também, outros 4 servidores da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no estado do Pará. Desses 5 servidores, todos afastados de suas funções por ordem judicial, Amaurivaldo foi o que mais assinou despachos finais com indícios de fraude, concedendo registros e reinscrições de pescadores: 1.708.

Além disso, pesa sobre ele também a suspeita de que usou o seu cargo público para “fins políticos”. Pior: quando se investiga o passado de Amaurivaldo, não se consegue identificar o critério que o guindou a cargos tão elevados na Superintendência do Mapa. A não ser, é claro, o fato de ser irmão de Éder Mauro.

O DIÁRIO teve acesso a documentos da mega investigação da PF, que culminou na operação Tarrafa. Os indícios apontam para uma fraude superior a R$ 1,5 bilhão nos seguros-defeso, que são os benefícios pagos a pescadores artesanais profissionais (um salário mínimo mensal), durante o período de reprodução das espécies pesqueiras, quando estão impedidos de trabalhar. A organização criminosa responsável por esses crimes contaria com a participação de servidores públicos, hackers, associações de pescadores, lideranças políticas, empresários e empresas de fachada, para a lavagem de dinheiro.

Os primeiros indícios de irregularidades foram detectados em 2020, no Pará, onde também ocorreu a maior quantidade de fraudes (38%). Mas, apesar dos fortes vínculos com o Pará, a quadrilha também estendeu tentáculos por mais 11 estados. E conseguiu gerar 436 mil pedidos fraudulentos de seguros-defeso, em 1.340 municípios, o que levou a esse R$ 1,5 bilhão de pagamentos indevidos.

Confira alguns trechos da decisão da Justiça Federal
📷 Confira alguns trechos da decisão da Justiça Federal |Divulgação

ROBÔS

Para a inserção de dados falsos nos sistemas informáticos do Ministério do Trabalho e do INSS, a quadrilha usou mais de 100 Certificados Digitais de Identificação fraudulentos, emitidos em nome de servidores públicos, além de “robôs” que aceleravam a realização dos cadastros. Na Tarrafa, foram cumpridos 180 mandados judiciais de busca e apreensão, e 35 de prisão preventiva, em 12 estados, incluindo Pará, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Segundo a PF, 42 servidores públicos fariam parte da quadrilha, incluindo os 5 da Superintendência do MAPA, que foram afastados de suas antigas funções, ainda no dia 17, por determinação do juiz Rubens Rollo D’Oliveira, da 3ª Vara da Justiça Federal no Pará.

Decisão judicial cita desvio “para atingir fins criminosos”

No último dia 21, o Diário Oficial da União (DOU) publicou as portarias de exoneração (demissão) de dois desses 5 servidores, ambas datadas de 18 de março, o dia seguinte à Tarrafa. Amaurivaldo foi exonerado da chefia da Divisão de Desenvolvimento, Registro e Monitoramento da Aquicultura e Pesca daquela Superintendência. O outro exonerado foi Chrystian Cruz Vilhena, que era chefe do Serviço de Aquicultura e Pesca, na Divisão comandada por Amaurivaldo. A portaria de exoneração de Amaurivaldo tem o número 554; a de Chrystian, o número 555. Ambas mencionam como motivo da exoneração “o que consta no Processo SEI 21000.024020/2022-60”. O DIÁRIO tentou obter informações sobre esse processo, junto à Secretaria Executiva do Mapa, em Brasília, mas o mesmo se encontra sob sigilo. Também ainda não se sabe se os dois foram colocados para fora, definitivamente, daquele ministério, ou se serão nomeados para outros cargos.

É que a Justiça negou, parcialmente, o pedido da PF para que esses 5 servidores fossem não só afastados das funções, mas também proibidos de frequentar a Superintendência. O juiz Rubens Rollo D’Oliveira reconheceu que a documentação apresentada pela PF apontava “fortes indícios” de que os 5 teriam inserido informações falsas nos sistemas informáticos do ministério, para a concessão de registros de pescadores. Mas ponderou que apenas afastá-los de batente seria “premiá-los”, já que eles continuariam recebendo salários, mas sem a prestação do serviço, “a qual, ao que tudo indica, foi desviada para atingir fins criminosos, mediante o recebimento de vantagens pecuniárias indevidas”. Daí ter determinado que fossem suspensos das funções que exerciam, mas relotados, imediatamente, em outras, e que tivessem bloqueadas as senhas de acesso ao sistema de registro de pescadores.

COMISSIONADOS

Pelo que consta no portal da Transparência do Governo Federal e em diários oficiais, nem Amaurivaldo nem Chrystian eram servidores de carreira do Mapa. Ambos ganharam cargos comissionados (DAS), em 2019, com apenas 2 meses de diferença: Amaurivaldo entrou em julho daquele ano, para comandar a então Divisão de Aquicultura e Pesca (DAP); e Chrystian, em setembro, para chefiar o serviço de Registro e Monitoramento, que fazia parte da DAP. Depois, com as várias mudanças estruturais naquele ministério, Amaurivaldo foi nomeado, em novembro do ano passado, como chefe da nova Divisão de Desenvolvimento, Registro e Monitoramento da Aquicultura e Pesca; e Chrystian, para chefiar o Serviço de Aquicultura e Pesca, novamente subordinado ao seu companheiro de exoneração.

IPs traiçoeiros e “tour” eleitoral

Segundo os documentos obtidos pelo DIÁRIO, só no Pará, foram detectados quase 60 mil registros e reinscrições de pescadores com sinais de fraude, muitos deles realizados por servidores do Mapa de outros estados, ou através de IPs (os “endereços” de computadores na internet) diferentes das localidades onde trabalham. Ao todo, 30 funcionários do Serviço de Aquicultura e Pesca (SAP) daquele ministério, 17 deles do Pará, foram responsáveis por despachos finais desses registros sob suspeita. Amaurivaldo figura em 5º lugar no ranking nacional, e em 4, no ranking paraense. E ele e os outros 4 da Superintendência do Pará, que estariam enrolados nessas fraudes, podem se considerar “traídos” pelo IP.

É que os policiais perceberam que as senhas de muitos servidores da Superintendência do Pará foram usadas por IPs de outros estados. Isso pode significar uso indevido das senhas, coisa que só as investigações poderão dizer. Mas, no caso dos 5 afastados, a situação é mais complicada. Porque os IPs indicam que alguns dos registros de pescadores com indícios de fraudes, utilizando as senhas deles, foram realizados em seus locais de trabalho. Entre os indícios está o fato de terem usado, como justificativa para esses registros, a numeração de processos judiciais ou administrativos nos quais constariam os nomes desses pescadores, o que não era verdade.

DIÁLOGOS

Amaurivaldo também foi flagrado em pelo menos dois diálogos comprometedores, grampeados pela PF. Em um deles, de agosto de 2020, ele diz a Chrystian que a “Loura de Breu Branco” estaria “ligando direto” devido à “uma situação da Portaria 11”. E pergunta se Chrystian já havia “visto” aquela “situação”, mas este responde que ainda não havia dado “uma analisada”. Ocorre que, segundo a PF, a Portaria 11, de julho de 2016, do SAP/MAPA, determinara o cancelamento de milhares de registros de pescadores em vários estados, inclusive no Pará.

Outro diálogo indicaria o uso de cargo público para “fins políticos”. Nele, um homem diz ter visto fotos (possivelmente, outdoors) de Amaurivaldo, em Santa Isabel do Pará, e que ficou se perguntando se ele seria candidato a vereador daquele município. Mas Amaurivaldo responde que aquilo “já é homenagem das entidades de pesca por todo o Pará”, e que “eu agora... aonde eu tô, elege deputado estadual e federal.”

Segundo a PF, o diálogo ocorreu no período das últimas eleições municipais (2020). Na época, Amaurivaldo teria realizado várias viagens pelo interior do estado, “promovendo palestras junto às associações de pescadores, a fim de aglutinar pessoas em torno da candidatura de copartidários”. Tal fato demonstraria “a influência exercida pelo investigado, em razão potencialmente exclusiva do cargo que exerce, nas redes de apoio e coligações políticas no interior do estado, por meio do uso das colônias, sindicatos, zonas e associações de pescadores”.

VIAGENS

Segundo o portal da Transparência, Amaurivaldo realmente percorreu vários municípios, para reuniões com pescadores, inclusive para falar sobre o seguro-defeso. Entre agosto de 2019 e fevereiro de 2020, ele esteve em Cametá (três vezes), Santarém, Limoeiro do Ajuru, Oeiras do Pará, Baião, Mocajuba (duas vezes), Igarapé-Miri, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho (duas vezes), Barcarena, Chaves e Marabá. Já no ano passado, visitou apenas 3 municípios: Breves, Abaetetuba e Limoeiro do Ajuru.

No início de 2020, aliás, ele até lançou uma comunidade, no Facebook, chamada “Amaury do Pescador”. Segundo vídeos que postou naquela comunidade, ele também esteve em Augusto Corrêa, Muaná e Acará, em março e setembro de 2020, mas não há informações sobre essas três viagens, no portal da Transparência, que também não revela o quanto de dinheiro público foi consumido em todo esse tour. Na comunidade, também há um vídeo em que Éder Mauro aparece ao lado de seu mano, garantindo aos pescadores que podem ficar tranquilos quanto ao recebimento do seguro-defeso.

Éder Mauro tenta inocentar o irmão

Na semana passada, após a operação Tarrafa, Éder Mauro enviou nota a um jornal, tentando inocentar Amaurivaldo (ou Amaury Barra, como prefere ser chamado). “O deputado reitera que, junto com Amaury Barra, pelo contrário, fez denúncia contra a quadrilha investigada pela PF e tem contribuído com a investigação da Polícia desde o começo. Amaury Barra deve se pronunciar após a finalização das investigações, que segue sob o comando da Federal”, escreveu.

Segundo a PF, os integrantes da quadrilha poderão ser enquadrados nos crimes de estelionato, participação em organização criminosa, falsificação de documento público, uso de documento falso, inserção de dados falsos em sistemas de informação, corrupção passiva e corrupção.

Se condenados, estarão sujeitos a pesadas penas de prisão, confirmando a máxima de que, afinal, bandido bom é bandido preso.

CRITÉRIO

Apesar da bela investigação já realizada pela PF, um fato intrigante permanece sem resposta: afinal, qual o critério do Mapa para colocar Amaurivaldo Cardoso Barra no comando de áreas estratégicas para a pesca paraense?

O problema é que quando se vasculha o Google à procura de informações acerca dele, não se encontra rigorosamente nada que o habilite a tais funções. A não ser, é claro, que se considere “habilitação” o fato de ele figurar, durante vários anos, como espécie de ajudante de seu irmão.

Entre o início e meados da década de 1980, ainda um rapaz de 20 e poucos anos, Amaurivaldo, com o apelido de “Amauri”, foi jogador profissional de futebol, nos clubes do Remo e Payssandu.

No entanto, parece não ter tido muito sucesso financeiro nessa profissão, já que, em 2010, abriu um depósito de bebidas, com capital social de apenas R$ 1,00, na humilde casa onde morava, na travessa Marquês de Herval, no bairro da Pedreira, em Belém.

No ano seguinte (ironicamente, no governo de Dilma Rousseff), conseguiu comprar, por R$ 28.800,00, um apartamento de classe média, alienado pela Caixa Econômica Federal, na rodovia Augusto Montenegro.

Mas, a partir daí, ele praticamente desaparece até do Google. E só ressurge após a eleição de Éder Mauro, em 2014, para deputado federal. E em 2016, quando seu irmão foi candidato a prefeito de Belém, Amaurivaldo até se candidatou a vereador, também por Belém e pelo PSD.

No entanto, mais uma vez não deu sorte: obteve apenas 1.519 votos e acabou como suplente. Na época, declarou possuir apenas o segundo grau completo, além de um Celta, do ano de 2007, e aquele apartamento que comprou, nos tempos da presidenta Dilma, agora avaliado em R$ 250 mil.

De 2015 até pelo menos 2020, ele também foi o tesoureiro municipal do PSD de Belém, na época presidido pelo seu irmão. Naquele espaço de tempo, também compareceu a vários eventos e audiências com autoridades paraenses, aparentemente, representando o irmão. Também organizou recepções para Éder Mauro, no aeroporto de Belém, e o acompanhou em manifestações a favor do atual presidente da República.

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