O Ministério Público Estadual (MP-PA) abriu Inquérito Civil para investigar possíveis irregularidades no programa Asfalto na Cidade, um dos maiores escândalos da administração do ex-governador Simão Jatene. O inquérito foi aberto a partir de um Procedimento Preparatório instaurado em maio deste ano, após denúncia da Auditoria Geral do Estado (AGE).
Entre 2012 e o ano passado, o programa consumiu mais de R$ 843,7 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro último. Desse total, quase 44% foram torrados no ano eleitoral de 2018. Só em duas supostas fraudes os prejuízos ao erário ultrapassam R$ 40 milhões. O caso é tão grave que a AGE vem realizando acordos com várias empresas, para que elas concluam dezenas de obras inacabadas e os prejuízos sejam reduzidos.
A decisão de converter o Procedimento Preparatório em Inquérito Civil foi tomada pelo promotor de Justiça Evandro de Aguiar Ribeiro, da 1ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, em 26 de setembro, mas só foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) no último dia 8. Segundo a assessoria de comunicação do MP-PA, a decisão foi motivada pela necessidade de um prazo maior para a apuração dos fatos, tendo em vista a complexidade do caso.
No entanto, a abertura do Inquérito Civil também chamou a atenção da AGE, já que esse tipo de investigação é instaurado, geralmente, quando são detectados fortes indícios de irregularidades, que podem, inclusive, ter gerado danos aos cofres públicos.
“Assim que soubemos da instauração do inquérito, requeremos a cópia integral do Procedimento Preparatório, para juntar ao Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), que tramita na AGE sobre o Asfalto na Cidade”, disse o auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes.
Ele lembrou os sinais de irregularidades já coletados pela AGE, cujas investigações começaram em janeiro deste ano, depois que o Ministério Público Eleitoral (MPE) concluiu que o programa foi usado para turbinar a campanha do então presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), Márcio Miranda, que concorreu ao Governo com o apoio do então governador Simão Jatene.
IRREGULARIDADES
Entre essas irregularidades está a possibilidade de fraudes, com robustos indícios já coletados, que teriam lesado o erário em mais de R$ 40 milhões e envolvem, inclusive, pavimentações inexistentes. Em agosto, a construtora Leal Junior admitiu que recebeu pagamentos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop) por 15 km de pavimentações que não foram realizadas, entre 2016 e o ano passado. Também admitiu vários vícios construtivos, em obras existentes. Só o asfalto fantasma teria causado um prejuízo de quase R$ 20 milhões aos cofres públicos, já que o preço de um asfaltamento simples é de R$ 1,3 milhão por km, segundo a Sedop.
Mas a Leal Junior alega que desconhecia a má qualidade dessas obras e até a inexecução desses 15 km, já que havia subcontratado a empresa MNS Ribeiro Junior, com a qual mantinha uma “relação de confiança”. E como também “confiava” nas medições dos serviços pela Sedop, teria pagado a subcontratada sem conferir a qualidade ou a existência das obras.
Construtora diz ter sido coagida
Em setembro, foi a vez da construtora Lorenzoni abrir o jogo: ela disse ter sido “coagida” pela antiga administração da Sedop a aceitar uma fraude licitatória que pode ter lesado o erário em mais de R$ 21 milhões. Segundo a Lorenzoni, assessores da secretaria lhe comunicaram que, “por ordem de cima”, teria de ceder a empresas já escolhidas a metade de um contrato que ganhara, em 2014, sob pena de cancelamento da licitação.
A cessão dos serviços ocorreria através de subcontratações, que teria de assinar. Depois, no entanto, a empresa teria sido surpreendida por uma avalanche de sub-rogações (outro instrumento de transferência de serviços), articuladas por assessores da secretaria, através de manobras “de má-fé”. As sub-rogações, todas provavelmente ilegais, segundo a AGE, somaram mais de R$ 21 milhões, apesar de o contrato da Lorenzoni ser de R$ 15,5 milhões.
“ORDEM DE CIMA”
A Lorenzoni apontou os engenheiros José Bernardo Macedo Pinho e Raimundo Maria Miranda de Almeida, ex-coordenadores do Asfalto na Cidade, como responsáveis pela suposta fraude. Mas também disse acreditar que a “ordem de cima” veio do então secretário da Sedop, Pedro Abílio Torres do Carmo. Os dois engenheiros, que não eram concursados, ocupavam cargos de confiança que os vinculavam diretamente ao então secretário.
José Bernardo também foi assessor especial do então governador Simão Jatene, entre 2011 e 2012, e assessor de convênios da Secretaria de Transportes (Setran), na época também comandada por Pedro Abílio, durante o primeiro governo de Jatene (2003 a 2006).
José Bernardo também teria confessado que, obedecendo a “ordens superiores”, fraudava a medição dos serviços de empresas que trabalhavam para o Asfalto na Cidade, o que, segundo a AGE, teria permitido até o pagamento de pavimentações inexistentes. O engenheiro era o fiscal das obras da Leal Junior, que confessou os 15 km de asfalto fantasma.
Conciliação agiliza conclusão de obras
No último mês de junho, devido à profusão de irregularidades constatadas no Asfalto na Cidade, 10 construtoras foram suspensas pela AGE de participarem de licitações estaduais. A medida se revelou acertada: várias delas têm procurado a instituição, em busca de um acordo. E os termos de compromisso firmados desde então têm agilizado a correção de eventuais defeitos dessas pavimentações, e até a conclusão de dezenas de obras deixadas inacabadas, pelo governo anterior.
Tudo isso não custa 1 centavo a mais aos cofres públicos, já que as empresas arcam com todas as despesas desses serviços. Em alguns casos, os acordos incluem colaborar com as investigações, o que também é bom para o contribuinte, já que isso agiliza as investigações da AGE, sobre o Asfalto na Cidade. Em troca, as empresas voltam a participar das licitações estaduais.
O primeiro desses acordos ocorreu em 16 de julho, com a construtora CFA, o que vem permitindo a conclusão de obras em 10 municípios do Sudeste do Pará. Os mais recentes, fechados neste mês, foram com a Via Oeste e a Cabano: nas próximas semanas, técnicos da AGE se deslocarão ao Oeste do Pará e à Ilha do Marajó, para levantar eventuais problemas que elas terão de corrigir, o que permitirá que mais obras sejam entregues à população.
CELERIDADE
“Isso faz parte de uma política conciliatória adotada pela AGE, que visa unicamente dar celeridade à recuperação dos recursos públicos, já que uma judicialização poderia prolongar isso durante anos”, explica o auditor-geral do Estado, Giussepp Mendes.
Segundo ele, o que a AGE vem tentando, até por orientação do governador Helder Barbalho, é que dezenas de obras inacabadas do Asfalto na Cidade sejam entregues rapidamente à população, mas com a qualidade que ela merece, precisa e paga, através dos seus impostos. Daí a insistência para que as empresas cumpram seus contratos e corrijam serviços mal executados.
“O que nós buscamos é uma conciliação em favor da sociedade”, resume o auditor. Ele salienta, porém, que tais acordos são apenas na esfera administrativa. Ou seja: não eximem as empresas de responderem na Justiça por problemas mais graves que venham a ser descobertos, nas investigações da AGE e do Ministério Público.
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