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GUERRA DA UCRÃNIA

Paraenses na Rússia dizem como é viver em área de guerra

Segundo contam paraenses, o cotidiano da população do país ainda não foi afetado com a situação tensa diante da invasão da Ucrânia e dizem que a maioria apoia as decisões do presidente Putin

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Imagem ilustrativa da notícia Paraenses na Rússia dizem como é viver em área de guerra camera "Me surpreendo com o fato de não existir nenhuma tensão iminente. A vida aqui segue normal. Sequer ouço as pessoas falarem sobre o conflito que estourou agora. Os meios de comunicação locais falam bastante sobre o tema, mas não vejo as notícias afetarem de forma significativa o cotidiano da população local até o momento”. Aline de Souza Navegantes, socióloga | FOTO: DIVULGAÇÃO

Viver num país que invadiu o território de um país vizinho causando uma grande crise militar pode causar muito medo e preocupação em razão das consequências diretas da decisão. Entre elas, bombardeios, retaliações diplomáticas e econômicas. A situação é tensa tanto para quem nasceu no país como para estrangeiros que o escolheram para morar, trabalhar ou estudar.

Essa é a atual realidade da Rússia, segunda maior potência militar do mundo, que após 4 meses de crise do Ocidente e da guerra de versões que circulou diariamente na imprensa mundial nas últimas semanas, invadiu o território da Ucrânia na madrugada da última quinta-feira, 24. Mas, ao que parece, a população russa ainda esta despreocupada com o conflito.

Pelo menos é o que sentem dois paraenses que vivem na Rússia. Localizados pelo DIÁRIO DO PARÁ, eles contaram como é viver num país mergulhado num futuro político e econômico indefinido e que pode entrar em um conflito maior nos próximos dias.

Natural de Belém, solteira e sem filhos, a socióloga Aline de Souza Navegantes, 28 anos, mudou para a Rússia há dois meses, após visitar o país nas férias. “Me encantei pelo país e decidi ficar para morar. Aprecio a cultura russa, principalmente no que tange à histórica cena musical e filmes de arte underground”.

SÃO PETESBURGO

Morando em São Petersburgo, antiga capital da Rússia, conhecida antigamente como Leningrado, Aline garante que sua adaptação no país tem sido muito tranquila e sem qualquer dificuldade, apesar do pouco tempo de mudança.

“São Petersburgo é hoje o principal centro cultural do país. Leio em cirílico (alfabeto russo) e me comunico no nível básico na língua. A fluência no inglês tem sido muito importante no processo de ambientação no país, visto que em cidades grandes como a que moro, muitos jovens falam inglês. O clima é radicalmente diferente dos trópicos, mas tenho me adaptado bem, apesar do frio intenso”, relata a socióloga.

Pela formação em Sociologia, ela acompanha há algum tempo os conflitos geopolíticos do oriente em contraponto com as potências ocidentais. “Olho ao meu redor e me surpreendo com o fato de não existir nenhuma tensão iminente. A vida aqui segue normal. Sequer ouço as pessoas falarem sobre o conflito que estourou agora. Os meios de comunicação locais falam bastante sobre o tema, mas não vejo as notícias afetarem de forma significativa o cotidiano da população local até o momento”, afirma.

INDIFERENÇA

Segundo a paraense, até o momento a população local não parece temer as sanções que podem ser impostas após a ocupação da Ucrânia. “Todos continuam seguindo suas vidas de maneira normal. Essa normalidade pode parecer uma forma de apatia para nós, mas acredito que o povo russo, devido a sua história, tenha uma reação e postura diferentes em tempos de conflito”.

Na visão da socióloga, grande parte da população russa possui uma visão bastante apolítica em relação ao governo. “Porém a criticidade nem sempre abre margem para uma polarização nos moldes que vemos no Brasil, por exemplo. É um cenário complexo, mas percebo que parte da população jovem russa apoia mais as ações externas do seu presidente, principalmente em contraponto com as potências ocidentais, do que necessariamente com as suas ações internas, assim como sua ideologia mais conservadora”, analisa.

Ela nunca esteve na Ucrânia, mas revela ter alguns conhecidos no país, que pretende visitar assim que for seguro. “Não tenho planos de voltar ao Brasil, pois venho sendo acolhida pelo povo russo de uma forma muito bonita e isso faz com que eu não tenha dúvidas de que encontrei a minha casa no mundo”, assegura Aline, que é pesquisadora de um centro de estudos de arte vinculado à Queen Mary University of London, e funcionária de uma empresa de jogos on-line na Rússia.

"Por enquanto, situação ainda está tranquila aqui’‘

Arthur Chaves, 21 anos, nasceu no município de Canaã de Carajás, no sudeste paraense. Se estabeleceu na Rússia há 5 anos, desde fevereiro de 2017. Estudante de Medicina na universidade de Moscou, chegou ao país sem falar uma palavra de russo. “A maior dificuldade para mim foi o idioma em si. Não senti um choque cultural muito forte e gosto bastante do clima daqui. Vim para cá porque foi o país da Europa que mais me interessou na época”, ressalta.

Ele estuda e trabalha como tradutor e guia turístico, tradicionais “bicos” de estudante. “Moro sozinho, mas tenho uma prima que vive aqui também. Viemos juntos”.

“Caso aconteça alguma coisa e um risco iminente de conflito, eu volto para o Brasil, apesar de termos uma boa comunidade de brasileiros em Moscou, de todos os cantos, inclusive com paraenses como eu”

Arthur Chaves, estudante
📷 “Caso aconteça alguma coisa e um risco iminente de conflito, eu volto para o Brasil, apesar de termos uma boa comunidade de brasileiros em Moscou, de todos os cantos, inclusive com paraenses como eu” Arthur Chaves, estudante |FOTO: DIVULGAÇÃO

Segundo ele, os russos são bem tranquilos em relação a tudo, tanto na pandemia quanto em relação à crise política com a Ucrânia, e “fingem que não acontece nada...”. Sobre as sanções econômicas que já estão sendo decretadas por outros países em retaliação ao país, o estudante avalia que não há muitas chances de ser decretadas por países europeus. “Esses países dependem muito dos recursos naturais da Rússia, sobretudo o gás. E acredito que a população está sim preparada para o que der e vier no caso de uma guerra. Lamentavelmente, a maioria da população concorda com o presidente Putin. Por enquanto a situação é tranquila por aqui...”.

“Os russos têm muito medo de mudança. Mas sendo um país multicultural e étnico, tendo território vasto e tantas riquezas naturais, se não tivesse um presidente muito firme o país já teria entrado em colapso ou
sido invadido”, avalia.

Arthur nunca esteve na Ucrânia mas sabe que é um país bem pobre. “Caso aconteça alguma coisa e um risco iminente de conflito, eu volto para o Brasil, apesar de termos uma boa comunidade de brasileiros em Moscou, de todos os cantos, inclusive com paraenses como eu”.

Entenda o conflito entre Rússia e Ucrânia

O cientista político Breno Rodrigo ressalta que as ofensivas russas contra o território ucraniano, que resultaram na invasão desta semana, demonstram, mais uma vez, que os imperativos da geopolítica são determinantes na configuração e hierarquização do poder nas relações internacionais.

Segundo ele, desde o fim da União Soviética, a Rússia se tornou refém das circunstâncias internacionais, se tornando incapaz de reagir à expansão da única superpotência, os EUA, e de seus aliados estratégicos, os países da União Europeia reunidos na OTAN, uma aliança militar.

Breno Rodrigo
📷 Breno Rodrigo |FOTO: DIVULGAÇÃO

“O recuo político e econômico também teve um grande impacto no poder militar russo, afinal o colapso soviético comprometeu o aparato de defesa e bélico – recursos fundamentais para a manutenção da soberania de um país, sobretudo quando o país em questão detém o maior espaço territorial do mundo e as fronteiras mais extensas da Eurásia”, explica Cardoso, que também é professor de política internacional de curso preparatório para Concurso de Admissão à Carreira de Diplomatas (CACD).

O reaparecimento da Rússia no cenário global tem um responsável direito: Vladimir Putin. “É sob sua liderança que a Rússia retornou ao jogo da política internacional. O forte crescimento econômico, a expansão dos gasodutos na Europa e a aproximação estratégica com a China, entre outros fatores, foram pontos decisivos para a volta ao jogo”.

A Ucrânia, segundo ele, é o “estado-tampão” entre os interesses russos e a ambição integracionista da União Europeia. “O determinismo geográfico ucraniano fez com que aquele território se tornasse fatalmente palco preferencial das batalhas geopolíticas das potências. Em termos militares, a Ucrânia já experimentou intervenções estrangeiras, guerras de anexação, revoluções coloridas, ameaças híbridas entre outras formas de ação contra a sua soberania”

O outrora corredor polonês que dividia soviéticos e nazistas, diz o cientista político, recuou para o leste e agora, em outra configuração histórica, espreme a Ucrânia e compromete decisivamente a sua soberania. “A tensão não foi criada pela Ucrânia, mas a Ucrânia certamente pagará a conta – aliás, já está pagando”, coloca. De acordo com o Itamaraty, cerca de 500 brasileiros vivem na Ucrânia. atualmente.

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