Há documentos que sobrevivem ao tempo como brasas sob as cinzas: parecem apagados, mas voltam a queimar quando finalmente expostos à luz. No Judiciário brasileiro, especialmente em períodos de intensa polarização política, papéis esquecidos em arquivos podem alterar narrativas consolidadas e reabrir capítulos que muitos julgavam encerrados. É esse o pano de fundo do despacho atribuído ao então juiz federal Sergio Moro, hoje senador, que voltou ao centro do debate público nesta semana.
Um despacho assinado por Moro quando ele comandava a 13ª Vara Federal de Curitiba, em julho de 2005, é apontado como prova documental de que o magistrado teria determinado a realização de grampos irregulares contra autoridades com foro privilegiado. O documento foi encontrado durante operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na unidade judicial e divulgado nesta quarta-feira (17) pela jornalista Daniela Lima, em sua coluna no Uol.
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No texto, Moro orienta um colaborador da Vara, o ex-deputado estadual Tony Garcia, a realizar uma nova gravação do então presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Heinz Herwig. A ordem teria sido dada porque as escutas anteriores foram consideradas “insatisfatórias para os fins pretendidos”. Junto ao despacho, a PF apreendeu a íntegra de uma gravação de cerca de 40 minutos envolvendo Herwig.
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"AGENTE INFILTRADO"
O material reforça informações já encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal pelo próprio Tony Garcia, que se apresenta como "agente infiltrado" a serviço do então juiz. Garcia firmou acordo de colaboração com o Ministério Público Federal em 2004, homologado por Moro, e atuou gravando autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Prática que, em tese, exigiria autorização de instâncias superiores.
A descoberta faz parte de uma investigação mais ampla sobre casos anteriores à Lava Jato. A operação da PF na 13ª Vara ocorreu no último dia 3, por determinação do ministro Dias Toffoli, do STF, após reiteradas cobranças para que a Justiça Federal do Paraná remetesse documentos relacionados a investigações antigas. Segundo o Supremo, havia indícios de descumprimento reiterado dessas ordens, o que vinha travando o avanço das apurações.
SEM AUTORIZAÇÃO DO STF
Além do caso envolvendo o presidente do TCE-PR, a Polícia Federal apreendeu relatórios de inteligência e transcrições de escutas atribuídas a desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e a políticos com foro privilegiado. As gravações teriam sido realizadas por colaboradores, entre eles o advogado Sérgio Renato da Costa, em circunstâncias que levantam questionamentos sobre a legalidade das ordens e a competência da 13ª Vara para conduzir tais monitoramentos.
De acordo com os investigadores, magistrados e autoridades com esse tipo de prerrogativa só poderiam ser investigados mediante autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A existência das escutas, portanto, reforçaria relatos de delatores que afirmam ter sido utilizados para monitorar figuras fora do alcance legal do juízo de primeira instância.
RESPOSTA DE MORO
Nas redes sociais, Sergio Moro reagiu à divulgação do caso, classificando as informações como "factóides ressuscitados". Para o senador, o tema volta à tona no momento em que surgem notícias sobre investigações envolvendo Lulinha, filho do presidente Lula, no caso do INSS. Moro argumenta que, à época, o entendimento do STF permitia gravações feitas por um dos interlocutores sem autorização judicial.
"O entendimento do STF na época era que a gravação feita pelo próprio interlocutor não demandava autorização judicial", escreveu. Segundo ele, apenas uma autoridade com foro foi gravada, o áudio não teve uso processual e a colaboração se encerrou em 2005, sem qualquer relação com a Lava Jato.
LIMITES DA ATUAÇÃO JUDICIAL
Agora, com o material finalmente sob análise do Supremo, o episódio pré-Lava Jato ganha novos contornos jurídicos e políticos. Caberá ao STF avaliar se os documentos confirmam irregularidades na condução das investigações daquele período, e se essas brasas antigas ainda têm potencial para incendiar debates atuais sobre os limites da atuação judicial.
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