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PRIMEIRA QUILOMBOLA

Promotora viu pai morrer no chão de hospital do Maranhão

Conheça mais a história de Karoline Maia, a primeira promotora quilombola do Brasil, e sua luta por justiça e representatividade.

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Imagem ilustrativa da notícia Promotora viu pai morrer no chão de hospital do Maranhão camera Karoline Bezerra Maia tem 34 anos e é maranhense | (ANPR/Divulgação)

Tomou posse no Ministério Público do Pará a primeira quilombola promotora de Justiça do país. Antes de assumir o cargo e ser empossada na comarca de Senador José Porfírio, interior do estado, há cerca de um mês, a maranhense Karoline Bezerra Maia, 34, percorreu um extenso caminho de desafios pessoais e profissionais.

Entre a formatura no curso de direito pela Universidade Federal do Maranhão, em 2013, e a aprovação para o posto no Judiciário, ambos com ingresso por meio de cotas raciais, se passaram cerca de dez anos.

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Foram dois estágios em órgãos públicos durante a faculdade e atuação em escritórios particulares, trabalhando, muitas vezes, nos finais de semana e feriados. Mesmo assim, conciliava uma rotina intensa de estudos para concursos.

"Nos últimos três anos, acordava às 4h para estudar, saía para trabalhar e, após o expediente, voltava aos livros", conta Karoline, que relatou essa mesma rotina em outros momentos da carreira.

Ela conta que passou em outros dois concursos, para a Procuradoria Municipal de Manaus e para o TRF-1 (Tribunal Regional Federal), mas não foi nomeada. E chegou a pensar ser impossível ser promotora de Justiça, mesmo com todo esforço.

Foi então que, em 2022, Karoline foi selecionada para participar do projeto Identidade --iniciativa da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República)--, cujo objetivo é promover mais diversidade racial nos quadros do Ministério Público Federal.

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Ela foi aluna do curso preparatório para ingresso na carreira do MPF. Do total de cem estudantes negros que participaram da formação, a advogada ficou entre os dez candidatos que receberam uma bolsa de R$ 2.500 durante seis meses, financiados pela Fundação Ford.

Para o presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, que endossa que Karoline Maia é a primeira mulher quilombola promotora de Justiça do país, o que também foi confirmado pela Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos), sua posse torna o Ministério Público mais próximo do que é a democracia brasileira, com maior presença de pessoas de origem africana e de mulheres.

"Enriquece a instituição pela história de vida e pelos conhecimentos que essas pessoas têm e torna a instituição mais aberta para a sociedade. Além de fazer com que as pessoas se sintam representadas e saibam que é possível serem juízes do Ministério Público, que isso não é necessariamente uma carreira de homens brancos da cidade, de perfil de classe média, média alta."

ORGULHO DA FAMÍLIA

O pai de Karoline, Erozino Boaventura, morreu em 2020, aos 91 anos. Ele morou no quilombo Jutaí, no município de Monção (MA), até os 30 anos.

"Meu pai e meus irmãos morreram em hospitais públicos. Meu pai ficou no chão. É uma situação muito degradante, humilhante. A gente se sente impotente diante da realidade. Então, quero realmente trabalhar para garantir direitos, que muitas vezes são negados aos cidadãos", disse.

Quilombola remanescente, a promotora nasceu na capital maranhense, São Luís, mas muitos de seus familiares ainda moram no quilombo. No Brasil, a designação de quilombola passa pela autodeclaração.

"Meu pai era quilombola. Aos sete anos, cortou o braço enquanto trabalhava em um engenho, posteriormente trabalhou em uma casa de família em Santa Maria em troca de comida."

Ela conta que o pai sabia escrever, mas não tinha diploma. A mãe, Raimunda Bezerra Maia, era analfabeta. "Ela assinava com o dedinho, na digital." Karoline tinha 15 anos quando a mãe morreu em 2006, aos 70 anos, por complicações de uma cirurgia de coração.

A advogada foi bolsista de escola particular desde os anos iniciais do ensino fundamental e, mesmo sem um trabalho formal, sempre colaborou com a renda familiar. "Dava aula particular de reforço para crianças até começar os estágios na faculdade. Antes, ajudava minha mãe a vender na porta de casa mingau de milho e outros doces tradicionais do Maranhão que ela fazia."

Durante a pandemia de Covid, Karoline vendeu com uma das irmãs pratos com traços quilombolas, como moqueca com banana da terra, leite de babaçu, feijoada e vatapá. "Demos o nome [ao negócio] de Cozinha Sabores da Didica, que era o apelido da nossa mãe", conta.

Caçula de seis irmãos, a promotora é a única com curso superior na família e afirma que o pai pode acompanhar parte de sua trajetória acadêmica e profissional.

"Meu pai tinha muito orgulho de mim. Quando passei no vestibular ele saiu falando para todo mundo que teria uma filha doutora, que eu ia fazer direito, me viu recebendo a OAB."

Ela diz que um dos últimos pedidos do pai foi para que continuasse lutando por seus sonhos. "Então resolvi estudar realmente para o que eu queria: entrar para o Ministério Público."

CONQUISTA COLETIVA

A promotora pretende exercer a função atuando especialmente em questões de saúde e de educação.

Para Karoline, assumir o cargo não se trata de um feito individual, mas coletivo. "Essa conquista representa todas as mulheres pretas, é uma conquista de mudança social."

Atualmente, na cidade onde trabalha, no Pará, não há área quilombola, mas ela ainda quer colaborar com o quilombo de origem no Maranhão, no qual advogava de forma voluntária, especialmente sobre direito quilombola e questão territorial.

"Quero continuar atuando como fiscal da lei nessas questões. Participava da Renaq (Rede Nacional de Advogados Quilombolas) e fazíamos reuniões periodicamente no quilombo. Inclusive, no momento, estamos sem escola primária, que é o básico, e precisamos que essa realidade mude. Tenho um forte desejo de ajudar as meninas que moram lá."

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