"Não queremos negociar nada", disse Jair Bolsonaro em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, em ato organizado por seus apoiadores em abril. No meio da multidão, tremulava uma bandeira israelense.
A presença do símbolo do Estado judeu é comum em manifestações de apoio ao presidente, mas sua associação com a defesa de pautas antidemocráticas tem sido criticada por membros da comunidade judaica brasileira.
Na última segunda-feira (4), Fernando Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), divulgou uma nota após a bandeira aparecer novamente em um ato pró-governo.
Dessa vez, manifestantes criticavam o Congresso, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Na rampa do Planalto, ao lado do presidente, um apoiador balançava uma haste com as bandeiras brasileira, americana e israelense.
"Lamentamos o uso da bandeira de Israel, uma democracia vibrante, em atos antidemocráticos. Isso pode passar uma mensagem errada sobre a comunidade, que é plural, com judeus e judias em todo o espectro político", dizia o texto.
Para o diretor-executivo do Instituto Brasil-Israel, Daniel Douek, a presença da bandeira associa Israel ao conservadorismo e à agenda bolsonarista, "enquanto na realidade o país preza medidas progressistas, como a garantia de direitos a pessoas LGBTs e o controle rígido de armamentos".
"Além disso, a utilização da bandeira de Israel em atos que pedem a volta do AI-5 deturpa e ofende a memória de Ana Rosa Kucinski, de Iara Iavelberg, de Vladimir Herzog e de todos os outros judeus mortos e torturados pela ditadura militar brasileira."
Israel é alvo da simpatia de grupos evangélicos, base de apoio do presidente. Muitos afirmam acreditar que Jesus Cristo só voltará à Terra se os judeus estiverem fixados em Israel. Isso motiva a presença de bandeiras israelenses em atos pró-Bolsonaro.
O primeiro-ministro do país, Binyamin Netanyahu, veio ao Brasil para participar da posse do presidente e recebeu Bolsonaro em uma visita a Israel. André Lajst, diretor-executivo da ONG StandWithUs Brasil, avalia a aproximação de Bolsonaro a Netanyahu como positiva.
Para ele, foi importante, por exemplo, o voto na ONU, em março deste ano, que rompeu a tradição diplomática brasileira de se abster ou votar contra a posição israelense em decisões envolvendo territórios palestinos ou as Colinas de Golã. Lajst, no entanto, também condena o uso indiscriminado da bandeira de Israel.
"Não faz sentido usar a bandeira em protestos de âmbito doméstico. Isso pode deturpar a imagem de Israel e levar pessoas mal informadas a acreditarem que Israel compactua com as políticas internas brasileiras", afirma.
Isso se estende, na visão de Lajst, a manifestações contra medidas de isolamento social durante a pandemia. "Israel aplicou uma das quarentenas mais rígidas contra o novo coronavírus. E Netanyahu criticou nos últimos dias aqueles que minimizam o impacto do vírus", diz Lajst.
O grupo brasileiro de esquerda Judeus pela Democracia repudiou a utilização da bandeira em mensagem publicada no Twitter. "Basta do sequestro de símbolos", afirmou o grupo.
Em nota, a B'nai B'rith do Brasil, organização judaica de ajuda humanitária e direitos humanos, também disse não ver sentido no uso da bandeira israelense na manifestação de questões exclusivamente brasileiras.
Procurada, a embaixada de Israel no Brasil não quis comentar.
As críticas ao uso da bandeira se somam a outros episódios de conflito entre a comunidade judaica e o governo Bolsonaro. Em um deles, em novembro do ano passado, quando a Conib fez sua 50ª convenção, o embaixador israelense no Brasil, Yossi Shelley, não compareceu ao evento.
O motivo foi a realização de críticas, por parte de Lottenberg, à declaração de Bolsonaro de que o "nazismo era um movimento de esquerda". Shelley disse que o presidente da Conib "tem uma agenda política própria", fala mal de Bolsonaro e "a comunidade [judaica] não gosta disso".
Além de Shelley, não compareceram ao jantar empresários como Meyer Nigri, da Tecnisa, Eli Horn, da Cyrella, e Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo Bolsonaro.
Lottenberg respondeu que a Conib tenta representar toda a pluralidade da comunidade judaica e que o Museu do Holocausto, em Israel, já afirmou que o nazismo foi um movimento de direita.
Em outro caso, mais recente, o chanceler Ernesto Araújo comparou as medidas de isolamento social contra o novo coronavírus aos campos de concentração de nazistas que mataram milhões de judeus.
A Conib, o Instituto Brasil-Israel e outros grupos da comunidade judaica brasileira repudiaram a declaração e exigiram que Ernesto se retratasse. O Comitê Judeu Americano também exigiu desculpas do ministro das Relações Exteriores.
O caso repercutiu na mídia israelense. Em entrevista ao jornal The Times of Israel, o brasileiro Ariel Krok, membro do comitê diretor do Corpo Diplomático Judaico do Congresso Judaico Mundial, disse que a declaração de Ernesto era "de mau gosto, perigosa e demonstra completa ignorância do assunto".
Ernesto, no entanto, ignorou o pedido por retratação e disse que o jornal israelense fez uma "leitura distorcida" da declaração.
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