O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta sexta-feira (17), que empresas podem celebrar acordos individuais de corte de salário e redução de jornada de trabalho com o empregados, conforme medida provisória editada pelo governo de Jair Bolsonaro.
Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e o presidente da corte, Dias Toffoli, votaram para manter a validade da MP.
Dos 11 ministros da corte, 7 votaram pela constitucionalidade da medida. Dois disseram que as regras são inconstitucionais. O relator Ricardo Lewandowski defendeu o acordo individual, mas determinou que o sindicato poderia alterá-lo via acordo coletivo.
Assim, ficou definido que os acordos têm efeito imediato e não podem ser alterados pelo sindicato da categoria, independentemente de futura negociação coletiva.
Com isso, o Supremo derrubou a decisão liminar (provisória) de Lewandowski.
Relator do processo, ele determinara que as tratativas diretas entre patrão e trabalhador tinham vigência imediata, mas dava a opção de adesão a acordo coletivo posterior que fosse mais benéfico.
A MP prevê redução de jornada e salário na escala de 25%, 50% ou 70% via acordo individual. Patamares diferentes dessas três faixas exigem negociação com os sindicatos.
Edson Fachin e Rosa Weber também divergiram da maioria, mas foram além em relação ao relator e defenderam a declaração de inconstitucionalidade da norma.
Ficou mantida apenas a exigência da MP para que o sindicato seja comunicado do acordo em dez dias, mas sem poder para invalidá-lo.
A medida é um dos pontos do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda lançado pelo Executivo e permite também a suspensão de contrato de trabalho.
Além disso, estabelece que o corte salarial tem de ser proporcional à redução da jornada de trabalho e pode durar até três meses.
A empresa também tem de se comprometer em garantir a estabilidade no emprego por mais três meses após o fim dos efeitos do acordo.
Alexandre de Moraes foi o primeiro a divergir de Lewandowski. Ele afirmou que, ao dar a opção de adesão posterior a acordo coletivo, a decisão descaracterizou a norma editada pelo Executivo.
Moraes destacou que o acordo individual em meio à calamidade pública é constitucional e constitui ato jurídico perfeito, ou seja, tem todas as consequências imediatas e não podem ser alteradas pela entidade de classe.
Segundo o ministro, o trabalhador terá a opção de recusar a proposta empresarial.
"Obviamente, será uma opção do próprio empregado. Ele pode não aceitar essa redução proporcional. É uma opção lícita, razoável, proporcional que se dá ao empregado. Ele tem o direito de querer manter o seu emprego", disse.
"Essa MP pretendeu e conseguiu compatibilizar valores sociais do trabalho com a livre iniciativa, ou seja, mantendo, mesmo que abalada, a saúde financeira da empresa e o emprego", afirmou Moraes.
Fux foi na mesma linha e disse que a Constituição não dá poder para a entidade de classe interferir em tratativas individuais feitas por trabalhadores com seus empregadores.
"O sindicato não pode fazer nada, absolutamente nada que supere a vontade das partes, porque desde priscas eras a transação extrajudicial tem força de coisa julgada. E, ainda que possa ser rescindível, só pode ser rescindível pelas pessoas que participaram dessa transação", afirmou.
Fachin, porém, abriu uma nova corrente e votou para dar ainda mais poder aos sindicatos em relação à decisão de Lewandowski.
O ministro afirmou que o trecho da MP do governo deveria ser anulado e que não pode haver negociação individual, apenas coletiva, que determine redução salarial.
"Não há espaço para conformação legislativo supressora da convenção ou da negociação coletiva e, no particular, a Constituição, ao estabelecer a participação obrigatória do sindicatos para validade do processo negocial, é reforçada pelas normas da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que foram internalizadas no ordenamento jurídico brasileiro", disse.
Para ele, o sindicato não pode ser excluído da negociação. "A exigência de que a flexibilização de direitos fundamentais sociais, tais como salários, jornadas ou a continuidade do próprio contrato de trabalho, seja feita sob o olhar protetivo do respectivo sindicato da categoria tem a função de resguardar o empregado."
A ministra Rosa Weber acompanhou Fachin e chamou a atenção para uma possível sobrecarga da Justiça.
"Em tempos que reclamam por simplicidade, uniformidade e confiança, a arquitetura criada pela medida provisória, em verdade, estimula o conflito social e, consequentemente, sua judicialização. E deixa desprotegidos exatamente os trabalhadores mais vulneráveis à informalidade", disse.
Barroso, por sua vez, acompanhou a divergência inaugurada por Moraes. Para ele, nesses casos, o mais adequado é a autocontenção do Judiciário. O ministro destacou, ainda, que se trata de uma MP que ainda será submetida à apreciação do Congresso.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou a maioria e disse que o Supremo precisa levar em consideração as consequências econômicas do novo coronavírus.
"Importante que nós reconheçamos que o direito constitucional de crise não pode negar validade a essa norma, sob pena de, querendo proteger, matar o doente. E os doentes aqui são muitos, são as empresas, o sistema sistema produtivo e os trabalhadores."
Segundo o governo, mais de 2,5 milhões de acordos já foram firmados desde que a MP foi editada, no dia 1º. Até 24,5 milhões de trabalhadores poderão ser atingidos.
Pelas regras da MP, a redução de 25% está permitida para todos os trabalhadores, independentemente do salário.
A aplicação da MP em casos que ultrapassarem esse índice ou chegarem à suspensão dos contratos, porém, só pode ocorrer para quem recebe até três salários mínimos (R$ 3.135) ou tenha vencimento maior que duas vezes o teto do INSS (R$ 12.202,12).
Apesar do corte, o governo se compromete em restituir parte da perda por meio do seguro-desemprego.
Se a empresa tiver um faturamento de até R$ 4,8 milhões e decidir suspender o contrato de trabalho, por exemplo, o trabalhador receberá o equivalente a 100% do seguro-desemprego a que teria direito de acordo com seu salário.
Empresas com receita maior, porém, são obrigadas a manter o pagamento de 30% do salário, e o funcionário recebe o equivalente a 70% do benefício geralmente dado pelo governo a quem não tem ocupação.
O seguro-desemprego de 50% será concedido para reduções de 50% ou menores que 70%; e o de 25%, para cortes entre 25% e 50%. O benefício varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03, e a estimativa do Executivo é que a medida custe R$ 51 bilhões aos cofres públicos.
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