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Belém, 407 anos: as cidades dos mortos na cidade dos vivos

A inauguração do Parque Cemitério da Soledade reforça o quanto a tão viva cidade de Belém é repleta de outras cidades, dos mortos. Leia o texto especial da antropóloga Elisa Rodrigues para o DOL!

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Imagem ilustrativa da notícia Belém, 407 anos: as cidades dos mortos na cidade dos vivos camera Entre fins e recomeços: Belém, em seus mais de 4 séculos, segue ligando morte e vida em seus espaços, trajetos e memórias. | Elisa Rodrigues

A cidade de Belém (PA) é marcada pela riqueza de seus patrimônios culturais e imateriais, das mais diferentes temporalidades e peculiaridades. Pensar a cidade dos vivos é também considerar as cidades dos mortos da capital como parte fundamental da história e memória da cidade. Compondo grande parte das narrativas, imaginários e vivências dos moradores, em seus registros, Belém é e já foi casa de 14 cemitérios que acompanharam todos os seus processos históricos e tem marcado em lápides, fachadas e santos milagreiros parte desse percurso.

O Cemitério Nossa Senhora da Soledade (1850), Cemitério Santa Izabel (1870), Cemitério do Tucunduba (1887), Necrópole Israelita – 1º Cemitério Judeu (1842), 2º Cemitério Judeu (1881), Cemitério da Ordem Terceira de São Francisco (1885), Cemitério São Jorge (1959), Cemitério Inglês (1815), Cemitério do Tapanã (1996), Cemitério Parque das Palmeiras (1994), Cemitério Parque Nazaré (2001), Cemitério Parque da Eternidade (2001), Cemitério Recanto Saudade Gera (1982) e Cemitério Público de Icoaraci são as necrópoles que um dia já foram ativas e que hoje são museus a céu aberto, além das que continuam em plena atividade.

O Cemitério de Nossa Senhora da Soledade, situado no bairro Batista Campos, foi fundado em 1850 e seus sepultamentos foram resultado das crises epidêmicas que a capital vivia, como cólera e febre amarela. Com 30.000 sepultamentos, encerrou suas atividades em 1880, não deixando de ser berço do ritual e devoção das almas, abrindo seus portões às segundas-feiras para os visitantes. Tombado em 1964 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), possui uma área de 22.500 m² com uma variedade de mausoléus com características dos padrões estéticos oitocentistas. Recentemente passou por um Projeto de Requalificação iniciado em 2021 em cooperação com o Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (LACORE) da UFPA, com parte do projeto entregue em janeiro de 2023 em homenagem aos 407 anos de Belém, reverenciando o potencial turístico e histórico que o espaço possui na cidade.

Cemitério da Soledade em 1898.
📷 Cemitério da Soledade em 1898. |Fonte: Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna

O Cemitério Santa Izabel, de caráter perpétuo assim como o Cemitério da Soledade, foi fundado em 1870 para dar continuidade aos sepultamentos encerrados no cemitério anterior, bem como aos sepultamentos dos internos do Leprosário do Tucunduba. Localizado no bairro do Guamá e em uso desde 1870, possui significativa riqueza de detalhes em sua arquitetura e nos seus, aproximadamente, 45.000 túmulos. Espaço aberto ao culto dos Santos Populares mais conhecidos da cidade como Josephina Conte – a “mulher do táxi”, Camilo Salgado e Severa Romana, condensa parte essencial do imaginário belenense e de prática religiosa.

Cemitério Santa Izabel em 1989.
📷 Cemitério Santa Izabel em 1989. |Fonte: Obras Raras da Biblioteca Pública Arthur Vianna

A importância da materialidade física e simbólica também se aplica à Necrópole Israelita, com logradouro em frente aos portões do Cemitério da Soledade no bairro Batista Campos, sendo o primeiro cemitério judeu do país construído em 1842 e funcionando até 1915, informações estampadas em sua fachada. Sua primeira sepultura com data confirmada é a do rabino Mordecai Hacohen z'l. Falecido em 1848, provavelmente é um dos primeiros rabinos investido no cargo, vindo com a imigração dos judeus do Marrocos e estabelecendo a primeira sinagoga brasileira, a Eshel Avraham (Bosque de Abraão) em datas não precisas, mostrando uma interação entre judeus e não-judeus de longa data, segundo José Roitberg (ABEC).

Sem registros possíveis por ter sido desativado junto do Hospício dos Lásaros do Tucunduba, primeiro leprosário da região amazônica, o Cemitério do Tucunduba foi fundado com o intuito de sepultar os corpos dos internos do leprosário, muitas vezes acometidos pelas epidemias da época e doenças venéreas, especialmente a lepra, mas também por suas condições enquanto indivíduos, constituindo também um quadro de internos que eram escravos e indesejados socialmente pelas políticas higienistas na Belém da Bélle-Époque, fechado em 1887.

Outros cemitérios mais recentes na capital como o Cemitério do Tapanã (1996), de caráter rotativo, Cemitério de Icoaraci e as necrópoles privadas Cemitério Parque das Palmeiras (1994), Cemitério Parque Nazaré (2001), Cemitério Parque da Eternidade (2001) e Cemitério Recanto Saudade Gera (1982) também constituem parte histórica da capital, apresentando novas maneiras de construção como cemitérios parques, visando também enterros que impactem cada vez menos o solo e permitindo a ressignificação tabu dos cemitérios, fazendo desses espaços um ambiente convidativo à outras práticas que não somente as do luto.

Elisa Gonçalves Rodrigues é antropóloga, mestranda em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), na Universidade Federal do Pará (UFPA) e graduada em Ciências Sociais (UFPA). É pesquisadora associada da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC). E-mail para contato:[email protected]

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