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A azarada vida de Julio Cezar, o paraense que criou o balão

A vida de Julio Cezar é digna de um filme. Autodidata, o paraense inventou o balão dirigível, mas teve sua ideia roubada por dois irmãos franceses

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Imagem ilustrativa da notícia A azarada vida de Julio Cezar, o paraense que criou o balão camera Julio Cezar realizou seu experimento com o balão Santa Maria de Belém, na Cidade Velha. | Reprodução

Em alguma frente de combate na Guerra do Paraguai (1864 a 1870), um paraense da pequena cidade de Acará, no nordeste do Estado, observa o alto. Diante dos olhos incrédulos, um balão gigante sobe ao céu. Flutuando vagarosamente, como que fazendo charme, o objeto hipnotiza a todos os militares presentes. Julio Cezar Ribeiro de Souza, o paraense, também permanece estático, como se estivesse presenciando algo sobrenatural. Mil coisas passavam a sua cabeça naquele momento. Ele ainda não sabia, mas aquele objeto seria o causador das maiores alegrias e tristezas de sua breve vida.

Julio Cezar nascera no dia 13 de junho de 1843, na Vila de São João do Acará. A vida sofrida de uma região predominantemente rural o fazia sonhar com a vigorante capital paraense. Considerado um autodidata, Julio chegou a Belém no início de sua adolescência, para realizar os estudos primários e secundários (parte do ensino fundamental e o médio). Logo após a conclusão dos estudos, o jovem de Acará viu mais uma porta se abrir, dessa vez no Rio de Janeiro, cidade onde fez o curso preparatório da Escola Militar. Das terras cariocas, foi convocado para a guerra que definiria para sempre o destino da América do Sul e também o seu.

Não se sabe ao certo em qual dia e ano Julio Cezar testemunhou a subida do balão. O historiador Luís Carlos Bassalo, docente da Universidade Federal do Pará e um pesquisador da vida de Julio Cezar, diz que o paraense desembarcou em Montevideo no ano de 1866 para compor o Exército Brasileiro na região. O conflito, que colocava em guerra o Paraguai contra Brasil, Argentina e Uruguai, exigia inovações bélicas que pudessem ajudar os militares nas batalhas. Foi neste período que aconteceu a primeira ascensão de balões, ainda não dirigíveis, da história da civilização. Um teste, que para o jovem Julio Cezar, representou a semente para o que viria a seguir.

Teste militar com balão não-dirigível
📷 Teste militar com balão não-dirigível |Reprodução

Julio Cezar retornou da guerra no final de 1869 e não conseguia tirar o balão de sua cabeça. Para sobreviver, o paraense se virou como jornalista e também como funcionário público, no entanto, o que o fazia seus olhos brilharem eram os estudos sobre aviação e balonismo. Dedicava todo seu tempo livre aprofundando conhecimento sobre o universo dos objetos voadores, criou uma teoria para viabilizar a navegação aérea baseado na observação do voo dos pássaros, até que recebeu aprovação do Instituto Politécnico Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro, para dar seguimento em seu projeto de realizar o primeiro voo de um balão dirigível do mundo.

“Nessa altura, a Assembleia Provincial do Pará aprova a concessão de uma subvenção no valor de 20 contos de réis para a construção de um balão de acordo com seu sistema, condicionada à aprovação do parecer da comissão, o que ocorre em seguida, juntamente com a concessão da patente brasileira de seu sistema de navegação aérea, aplicável à navegação submarina”, conta o professor Bassalo.

O que veio a seguir da aprovação foi uma série de testes e exibições do balão batizado por ele como Victoria, nome de sua esposa. Encomendado durante uma viagem a Franca em setembro de 1881, o Victoria não era dirigível, mas impressionou europeus em exibições por Paris. Tudo estava dando certo para Julio Cezar, que não perdeu tempo e registrou a patente de seu invento em vários países. Antes de retornar a Belém, o acaraense encomendou junto à casa La Chambre, em Paris, a construção do Santa Maria de Belém, um balão dirigível com 52 metros de comprimento e 10,4 de diâmetro, capaz de ser tripulado por um homem. Chegara o derradeiro momento, voltar para casa e fazer história.

Julio Cezar ainda realizou exibições do Victoria em Belém e no Rio de Janeiro antes de realizou o primeiro experimento com seu dirigível Santa Maria de Belém. Na capital, o experimento ocorreu na manhã do Natal de 1881, no hoje bairro da Cidade Velha. Em 1882 foi a vez do Rio de Janeiro. Julio apresentou seu balão na Escola Militar. Entre os presentes, o imperador Dom Pedro II acompanhava tudo atentamente. Para Julio, após o período de testes com seu balão Victoria, era chegada a hora de mostrar ao mundo seu invento principal, Santa Maria de Belém.

O complexo da avenida Julio Cesar, em Belém
📷 O complexo da avenida Julio Cesar, em Belém |Reprodução

A PRIMEIRA EXIBIÇÃO

No dia 4 de outubro de 1884 Julio realiza a primeira exibição do Santa Maria de Belém, também na Cidade Velha. No entanto, a experiência fracassa. “A exemplo do que ocorrera na primeira exposição pública, em 4 de outubro de 1880, dificuldades relacionadas à produção de hidrogênio impediram a ascensão do balão”, explica Bassalo.

Para piorar a situação, Julio Cezar recebe, logo após seu fracasso com o dirigível, a notícia de que os capitães franceses Charles Renard e Arthur C. Krebs, com um balão semelhante ao Santa Maria de Belém, tinham realizado pela primeira vez na história um percurso fechado a bordo de um balão. Os irmãos conseguiram voar, retornando ao ponto de partida após percorrerem quase 7.600 metros durante 23 minutos.

A notícia foi um baque para o paraense, que passou a dedicar sua vida tentando provar que a dupla francesa havia plagiado seu invento. “Esse acontecimento faz com que Julio Cezar Ribeiro de Souza escreva um longo protesto intitulado ‘A Direção dos Balões’, publicado na imprensa paraense e encaminhado ao Instituto Politécnico Brasileiro. Julio realizou um requerimento solicitando a prioridade do sistema de balões fusiformes dissimétricos, cujo parecer favorável é aprovado pelo Instituto em 2 setembro de 1885”, detalha Bassalo Crispino.

Após comprovar que foi plagiado, as autoridades brasileiras voltam a apoiar o paraense, que retorna à Europa na tentativa de provar que teve sua ideia roubada. Julio denuncia o caso à imprensa internacional e convida os capitães franceses para um debate para esclarecer os fatos. A dupla ignora o convite e mantém silêncio.

O Aeroporto Internacional de Belém também é batizado com o nome do nosso "pai da aviação"
📷 O Aeroporto Internacional de Belém também é batizado com o nome do nosso "pai da aviação" |Infraero

O FIM DO SONHO

Frustrado, Julio Cezar volta ao Brasil, onde dedica-se a escrever um livro em francês intitulado “Fiat Lux”. Na publicação, o paraense dá detalhes da história do plágio dos irmãos franceses. A desonestidade da dupla dilacerou os sonhos de Julio Cezar. Vendo o sonho de uma vida ser roubado, o paraense vai, aos poucos, se entregando a desilusão, até voltar definitivamente a sua cidade.

Debilitado e sem o devido reconhecimento ao seu trabalho, Julio Cezar morreu em 14 de outubro de 1887, vítima da doença conhecida como beribéri. Morreu imaginando, talvez, que havia vivido seu sonho a troco de nada, mas o reconhecimento veio. Através dos fatos da história, o Pará conseguiu perceber a importância de ter um homem como Julio Cezar, o inventor do balão dirigível. E se a história oficial continua a dar os louros aos irmãos franceses, o nome do menino de Acará batizou uma das principais avenidas de Belém e seu aeroporto internacional. Julio Cezar Ribeiro de Souza, o paraense.

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