Já havia se passado quase um ano da declaração da Independência do Brasil, quando, no salão de festas do então Palácio do Governo, a ata que definiu a adesão do Pará à Independência foi assinada, em 15 de agosto de 1823. Passados 173 anos, já em 1996, a data foi transformada em feriado estadual através da Lei n° 5.999, porém, mais do que isso, ela ajuda a compreender um período da história do Pará marcado por tensões entre as elites portuguesas e paraenses.
Para entender o contexto que levou o Estado do Pará a ser a última província a aderir à independência é preciso voltar um pouco no tempo para compreender o próprio processo de independência do Brasil. Doutor em história, o professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, explica que, quando se pretende resgatar a história por trás do feriado estadual de 15 de agosto, é preciso compreender a relação que ele tem com o contexto do Brasil no século XIX. Quando se fala da Independência do Brasil, está se considerando um processo que ocorreu em 07 de setembro de 1822, mas que não sucedeu de forma instantânea em todo o território em que vai se constituir o Brasil. “Ele ocorre na região onde hoje é o Sudeste do país, mas, de certa maneira, não ocorre de forma simultânea em todo o território e o Pará é a última dessas províncias a aderir a esse processo de Independência do Brasil”.
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Ainda que a independência tenha ocorrido em 1822, Amilson lembra que os movimentos independentistas já ocorriam há mais tempo no Brasil colônia. Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII sempre tiveram movimentos que buscavam a emancipação do Brasil, mas que rapidamente eram contidos pela metrópole portuguesa. “Mas no início do século XIX isso se tornou mais intenso, sobretudo porque começa a haver alguns processos de independência e também pela conjuntura na Europa”, contextualiza o professor. “É muito importante compreender que, em 1808, Dom João VI vem para o Brasil e, posteriormente, estabelece a Corte no Rio de Janeiro e isso gera todo um debate, um cenário que vai fazer com que, posteriormente, o Dom João VI volte para Portugal, em abril de 1821. Quando isso ocorre, Dom João VI deixa a regência de Dom Pedro I, o príncipe regente, no Rio de Janeiro e a partir daí se estabelece um processo de indefinição e começa todo o debate nacional em relação a essa independência do Brasil”.
E O PARÁ?
Em meio a esse contexto, a então província do Grão-Pará sempre teve como característica marcante, especialmente a partir do século XVIII, o estabelecimento de uma elite muito ligada a Portugal. “Aqui era um lugar tradicional de portugueses, comerciantes, famílias portuguesas e essas elites começaram uma tradição ao longo do século XVIII e que se manteve no início do século XIX de relações muito próximas com Lisboa, então, de certo modo, esses comerciantes tinham mais como referência Lisboa, em Portugal, do que o próprio Rio de Janeiro”, explica. “Isso vai ser um elemento que, de fato, vai dificultar essa Proclamação da Independência como aconteceu no resto do Brasil. Vai haver um processo de resistência grande aqui dessas elites que vão ‘esticar a corda’ o máximo possível até o dia 15 de agosto de 1823, quando, de fato, há um processo de pressão em que acaba se assinando a Adesão do Pará à Independência”.
Um elemento importante que contribuiu para a adesão do Pará ocorreu ainda durante a presença de Dom João VI no Brasil. Quando ele chega à colônia, em 1808, assina tratados que estabelecem a abertura dos portos brasileiros, fazendo com que a economia de Portugal fosse fragilizada, já que o Brasil participava de forma muito intensa nessa economia portuguesa, mesmo enquanto colônia. Então, com o decorrer dos anos, há uma pressão em Portugal para a volta do Dom João VI e a culminância de movimentos constitucionalistas que resultam, em 1820, na Revolução do Porto. “Os paraenses sempre estavam muito ligados a essas movimentações que aconteciam em Portugal. Então, quando acontece essa Revolução do Porto, há todo um debate aqui com relação a se aderir a essa revolução constitucionalista”, explica o historiador. “E aí alguns personagens aparecem nesse cenário como, por exemplo, o Felipe Patroni. Ele passa a ter toda uma movimentação aqui no Pará para tentar fazer com que se possa aderir a esse movimento”.
Assinatura
- Em meio a tensões, disputas políticas e pressões, a ata de adesão do Pará à Independência foi assinada, em 15 de agosto de 1823, em um espaço que até hoje faz parte do cenário da capital paraense, o antigo Palácio do Governo, que hoje abriga o Museu do Estado do Pará, localizado na Praça Dom Pedro II, na Cidade Velha.
- O historiador Amilson Pinheiro aponta que a assinatura da ata teria ocorrido no salão de festas do palácio e, segundo memorialistas e documentos históricos, depois da assinatura da adesão ocorreram quase três dias de comemorações, com bailes e festas.
O papel de Felipe Patroni
Amilson explica que Felipe Patroni é um personagem importante desse cenário porque ele vai ser o autor do primeiro jornal da província do Grão-Pará, o jornal O Paraense, que vai acabar fazendo uma oposição à Junta Provisória que se estabelece aqui, formada pelas elites portuguesas, e que vão tentar manter esse vínculo com Portugal. Em meio a essas tensões entre a elite paraense que defendia a adesão à independência e a elite portuguesa que desejava manter o vínculo direto com Portugal, há ainda uma pressão do próprio Brasil para que o Pará aderisse à independência. “O Estado Brasileiro, já independente, começa a pressionar também o Pará. Então, é enviada uma esquadra ao Grão-Pará, em que o capitão era o John Grenfell, para intimar as autoridades daqui a aderir à Independência”, aponta o professor. “Grenfell chega no dia 10 de agosto de 1823, com um ofício, só que ele aplica o Golpe da Esquadra, que é quando ele diz que a cidade está sitiada, cercada e que vai ser invadida se as autoridades civis, militares e eclesiásticas não assinarem a independência”.
O episódio ficou conhecido como golpe porque, na verdade, todo esse aparato relatado por Grenfell era um ‘blefe’. Ele estava com uma esquadra, mas não com várias esquadras que possibilitassem cercar toda a cidade. Pressionados pela mentira de Grenfell, as autoridades presentes no Grão-Pará se reuniram no dia 11 de agosto, em uma espécie de assembleia e decidem pela adesão à independência. “Apenas duas autoridades votam contra e, no dia 15 de agosto de 1823, é oficializada, assinada a ata da adesão do Grão-Pará à Independência. Então, essa adesão teve muito a ver com esses interesses entre os paraenses, essa nova elite formada por novos comerciantes que eram já nascidos aqui na região, contra esses reinóis, como eram chamados esses portugueses que viviam aqui também e que queriam manter esses laços com Portugal”.
O que mudou
- A partir da adesão do Grão-Pará à independência, algumas mudanças ocorrem, sobretudo, no que se refere às relações políticas. Quando acontece a Independência do Brasil, em 1822, portanto antes da adesão do Pará, as autoridades locais passam a manter relações diretas com Portugal. Nesse período, o Grão-Pará não se correspondia mais com o Rio de Janeiro, qualquer documento era encaminhado direto para Lisboa, em Portugal. “A Independência do Brasil foi em 07 de setembro de 1822 e a adesão do Pará foi só dia 15 de agosto de 1823, então, durante quase um ano o Pará tinha relações políticas oficiais com a Metrópole, com Portugal, com Lisboa”, explica Amilson Pinheiro. “A partir da assinatura da adesão, muda totalmente essa configuração e o Grão-Pará e acaba tendo mais relação política com o Rio de Janeiro”.
- Apesar dessa mudança, na essência, as relações de poder ocorridas no Pará não mudam tanto. Mesmo com a maior relação entre o Grão-Pará com o Rio de Janeiro, com o Brasil, as elites comerciais que dominavam o cenário político na província paraense permanecem hegemônicas, tanto é que, mais tarde, já em 1835, o Pará vivencia o grande movimento da Cabanagem. “A Cabanagem é resultado exatamente dessas permanências, dessas mesmas elites que oprimiam uma população mais pobre e que, de fato, mesmo mudando de Lisboa para o Rio de Janeiro, elas vão conseguir manter essas relações de dominação aqui na província”.
- Não à toa, esse período ficou marcado por muitas tensões, sobretudo entre as próprias elites, já que havia as elites nascidas no Pará e que, de certo modo, se confrontavam com essas elites de comerciantes portugueses. “Havia muitos interesses porque, nesse momento, no século XVIII e XIX, você fazer parte de um cargo do Estado estava diretamente ligado a favorecimentos de interesses pessoais. Hoje a gente fala sobre essa questão da impessoalidade, de separar o que é privado do que é público, mas nos séculos XVIII e XIX participar de cargos públicos ou estar próximo desses cargos públicos importantes estava diretamente relacionado a favores pessoais, a favorecimento dos seus negócios, então, a disputa era muito grande para fazer parte desses cargos públicos, as disputas eram intensas”, conclui Amilson Pinheiro.
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