
Você já ouviu que é possível morrer de amor ou de tristeza? Longe de ser apenas um drama literário, existe uma condição médica que transforma o impacto de emoções intensas em um problema cardíaco real: a síndrome do coração partido, clinicamente conhecida como cardiomiopatia de Takotsubo.
Descrita pela primeira vez no Japão em 1990, a síndrome ganhou um nome inusitado. Durante uma crise, o ventrículo esquerdo do coração assume um formato peculiar, semelhante ao de uma armadilha japonesa usada para capturar polvos, o tako-tsubo.
Confusão com Infarto e os Gatilhos do Estresse
A síndrome de Takotsubo é uma condição cardíaca aguda e, na maioria das vezes, reversível. No entanto, ela costuma assustar por mimetizar os sintomas de um infarto: dor no peito, falta de ar, náuseas, vômitos e alterações no eletrocardiograma (ECG). A diferença crucial é que, neste caso, as artérias coronárias não estão obstruídas.
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"O ventrículo esquerdo do coração enfraquece subitamente e assume um formato peculiar (balonamento apical) causado por um grande pico de estresse emocional ou físico," explica a cardiologista Marianna Andrade, coordenadora do serviço de cardiologia do Hospital Mater Dei Salvador.
Os gatilhos podem ser variados e intensos: a perda de um ente querido, uma separação, uma discussão intensa, um acidente automobilístico e até mesmo uma surpresa muito forte, como uma alegria súbita.
A Toxidade dos Hormônios
O que ocorre no organismo é uma liberação massiva de hormônios do estresse, como adrenalina e noradrenalina. Segundo especialistas, essas substâncias podem ser tóxicas para as células cardíacas, causando um espasmo temporário dos vasos sanguíneos do coração e levando à disfunção característica do ventrículo esquerdo.
Para o psiquiatra Arthur H. Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria da USP, "quando o estresse é contínuo ou muito intenso, o corpo pode reagir de maneira desproporcional. Se combinado com uma vulnerabilidade biológica ou genética, pode levar a disfunções em órgãos vitais, como o coração."
Mulheres Lideram as Estatísticas
Os dados do Registro Internacional de Pessoas com Takotsubo revelam uma prevalência acentuada: cerca de 90% dos casos ocorrem em mulheres, sobretudo idosas com mais de 60 anos e após a menopausa. A queda do estrogênio nesta fase é considerada um fator determinante, tornando o coração mais vulnerável aos efeitos do estresse.
Pessoas com histórico de ansiedade, depressão ou que vivenciam situações de trauma também estão mais suscetíveis. "A ansiedade, por exemplo, está frequentemente ligada à ativação constante do sistema de estresse, com o aumento dos níveis de cortisol e outras substâncias que afetam negativamente a saúde cardiovascular," afirma Danila.
Diagnóstico, Recuperação e Alerta
O diagnóstico da síndrome é feito por exclusão, ou seja, após descartar um infarto por meio de exames como angiografia coronariana, que confirma a ausência de obstrução nas artérias.

A boa notícia é que, na maioria dos casos, a recuperação da função cardíaca é completa e ocorre em semanas, sem sequelas permanentes. Contudo, é fundamental procurar atendimento médico imediato ao surgirem os sintomas. "A síndrome do coração partido pode levar à falência do coração e também ao surgimento de arritmias cardíacas com um potencial risco de instabilidade elétrica, e a pessoa deve ser imediatamente levada para o hospital," alerta o cardiologista Evandro Tinoco Mesquita, professor da UFF e membro da SBC.
O tratamento é de suporte, com o uso de medicações para auxiliar na recuperação cardíaca. Apesar de ser reversível, a condição exige vigilância, com um risco de recorrência em cerca de 10% dos pacientes, especialmente se expostos a novos eventos estressores.
A Urgência da Saúde Mental
Para além do tratamento médico, é essencial o manejo do lado emocional. Acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, exercícios físicos moderados e técnicas de relaxamento, como a meditação, são ferramentas cruciais para evitar novos episódios.
"Isso reforça a necessidade de abordagens de tratamento integradas, que considerem tanto os aspectos psicológicos quanto físicos do paciente," conclui Arthur H. Danila, ilustrando como a síndrome desafia a antiga separação entre mente e corpo na medicina.
Embora ainda considerada incomum, o cardiologista Marcio Moreno Luize, chefe da UTI do Hospital Costantini, estima que até 2% dos casos que chegam aos prontos-socorros com suspeita de infarto sejam, na verdade, a síndrome do coração partido.
"Essa proporção pode crescer. Vivemos tempos de estresse crônico, ansiedade e sobrecarga emocional. O corpo dá sinais —e o coração, muitas vezes, é o primeiro a falar," alerta o médico.
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